segunda-feira, 23 de março de 2015

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O Papel da Educação

3.1.1 - O Papel da Educação
Ano novo, vida nova, novos desafios. A cada ano letivo que começa, os professores são testados por uma realidade que não estava presente no semestre anterior, muito menos no conteúdo estudado durante a sua formação. O mundo transforma-se, a informação chega-nos de forma cada vez mais veloz, sem que tenhamos tempo de analisá-las e absorver os novos conhecimentos disponíveis.
O novo mundo que invade a escola e que dela exige posicionamentos, decisões e atitudes é um emaranhado de novas tecnologias, novas configurações familiares e sociais, novas teorias educacionais, velhas teorias com novas roupagens. Por sua vez o professor sente-se inseguro e sobrecarregado diante de tantas cobranças e exigências. No Brasil, em especial, vivemos um momento de grandes transformações, com a introdução de mais um ano no Ensino Fundamental, a volta do ensino de Filosofia na escola e mudanças na legislação que regulamenta a formação de professores, apenas para citar algumas. Como isso afetará o dia-a-dia da escola? Como lidar com essas novas realidades? Qual será realmente o verdadeiro papel da educação nesse novo século que se inicia? Estas são questões que se colocam atualmente aos educadores. Bem, centralizemos nossa atenção para a última.
A primeira edição do FME (Fórum Mundial de Educação) elegeu como temática central "Educação no mundo globalizado". Diversos fóruns educacionais temáticos, regionais e nacio­nais foram realizados desde então. Hoje, o FME cons­titui-se em um grande movimento mundial pela ci­dadania planetária, em defesa do direito universal à educação. Para um "outro mundo possível", uma outra educação é necessária.
O neoliberalismo concebe a educação como uma mercadoria, reduzindo nossas identidades às de meros consumidores, desprezando o espaço pú­blico e a dimensão humanista da educação. Opon­do-se a tal perspectiva, o FME defende uma con­cepção emancipadora da educação, que respeita a diferença e convive com ela, promovendo a intertransculturalidade. Ao projetar a educação para um outro mundo possível, o fórum está discutindo uma perspectiva da educação do futuro.
Podemos dizer que, em qualquer projeção que se faça do futuro, o conhecimento terá presença ga­rantida. Nesse contexto, as perspectivas para a edu­cação no século XXI são otimistas. A pergunta que se faz é: que educação, que escola, que aluno, que pro­fessor, que currículo, que sistema de ensino? A práxis transformadora com vistas à futuridade histórica leva-­nos a refletir sobre a necessidade de superar a lógica desumanizadora que tem no individualismo, na competitividade e no lucro seus fundamentos.
Neste texto busca-se compreender o papel da educação no contexto da globalização neoliberal - que divide o mundo entre globalizadores e globalizados - e de sua alternativa, a planetarização, que considera a Terra como uma única comunidade, una e diversa.  No ano em que lembramos os 10 anos do falecimento de Paulo Freire, nossos corações e nossas mentes, como educadores, estão voltados à educação para um outro mundo possível, uma educação para a sustentabilidade. No século XXI, em uma sociedade que utiliza cada vez mais as tecnologias da informação, a educação tem um papel decisivo na criação de outros mundos possíveis, mais justos, produtivos e sustentáveis para todos. "Educar para um outro  mundo possível" é uma expressão plena de significados. Podemos começar por entender melhor alguns ­deles. Ela supõe que o projeto de mudança do mun­do implica uma visão educacional. O que é, então, educar para um outro mundo possível?
John Holloway (2003), em seu livro Mudar o mun­do sem tomar o poder, mostrou-nos que educar para um outro mundo possível é educar para dissolver o poder, para democratizá-lo radicalmente. Esse é o objetivo da revolução. Devemos superar as relações de poder pelo reconhecimento mútuo da dignidade de cada pessoa. Entender o poder como capacidade de fazer, como serviço, afirmando que "nós" é que podemos mudar o mundo; nós, as pessoas comuns, temos essa capacidade de mudar o mundo.
Por isso, educar para um outro mundo possível é educar para conscientizar (Freire, 1997), para desalienar, para desfetichizar. O fetichismo da ideo­logia neoliberal é o fetiche da lógica capitalista que consegue solidificar-se a ponto de fazer crer que o mundo é naturalmente imutável. O fetichismo trans­forma as relações humanas em fenômenos estáticos, como se fossem impossíveis de serem modificados. Fetichizados, somos incapazes de agir, porque o feti­che rompe com a capacidade de fazer. Fetichizados, apenas repetimos o já feito, o já dito, o já existente.
Educar para um outro mundo possível é dar vi­sibilidade ao que foi escondido para oprimir, é dar voz aos que não são escutados. A luta feminista, o movimento ecológico, o movimento zapatista, o movimento dos sem-terra e outros tornaram visível o que estava invisibilizado por séculos de opressão.
Paulo Freire foi um exemplo de educador de um outro mundo possível, pois colocou no palco da história o oprimido, visibilizando o oprimido e sua relação com o opressor.
Educar para um outro mundo possível deve incluir uma pedagogia das ausências (Santos, 2005), isto é, mostrar o que foi ausentado historicamente pelas culturas dominantes, aquilo que foi tornado estranho pela sobrevalorização do científico em detrimento do não­-científico, pelo não reconhecimento do saber de expe­riência feito, pela sobrevalorização do produtivo em detrimento do não-produtivo. Não há justiça so­cial sem justiça cognitiva. Educar para um outro mundo possível é educar para a emergência do que ainda não é, o ainda-não, a utopia, o "inédito viável" (Freire, 1997).
Assim procedendo, es­tamos assumindo a história como possibilidade e não como fatalidade. Por isso, educar para um outro mundo possível é também educar para a ruptura, para a rebeldia, para a re­cusa, para dizer "não", pa­ra gritar, para sonhar com outros mundos possíveis. De­nunciando e anunciando. O nú­cleo central da concepção neoli­beral da educação é a negação do sonho e da utopia. Por esse motivo, uma educação para um outro mundo possível é, sobretudo, a educação para o sonho, a edu­cação para a esperança.
A mercantilização da educação é um dos desa­fios mais decisivos da história atual, porque ela sobrevaloriza o econômico em detrimento do hu­mano. Somente uma educação emancipadora pode­rá inverter essa lógica através da formação para a consciência crítica e para a desalienação. Educar para um outro mundo possível é educar para a qua­lidade humana para "além do capital", como nos dizia István Mészáros, em Porto Alegre, em janeiro de 2005, na abertura da terceira edição do FME. A globalização capitalista roubou das pessoas o tem­po para o bem viver, o espaço da vida interior e a capacidade de produzir dignamente as nossas vidas: cada vez mais gente é reduzida a máquinas de pro­dução e de reprodução do capital.
Educar para um outro mundo possível é fazer da educação, tanto formal quanto não-formal, um espaço de formação crítica, e não apenas de forma­ção de mão-de-obra para o mercado; é inventar no­vos espaços de formação alternativos ao sistema for­mal de educação e negar a sua modalidade hierar­quizada em uma estrutura de mando e subordina­ção; é educar para articular as diferentes rebeldias que negam hoje as relações sociais capitalistas; e educar para mudar radicalmente nossa maneira de produzir e de reproduzir nossa existência no plane­ta; portanto, é uma educação para a sustentabilidade.
Não se pode mudar o mundo sem mudar as pes­soas: mudar o mundo e mudar as pessoas são proces­sos interligados. Mudar o mundo depende de todos nós: é preciso que cada um tome consciência e organize-se em multi­dões (Hardt e Negri, 2001). Edu­car para um outro mundo pos­sível é educar para superar a lógica desumanizadora do capital que tem no indivi­dualismo e no lucro seus fundamentos; é educar para transformar radical­mente o modelo econô­mico e político atual.
É educar para viver em rede, ser capaz de co­municar e agir em comum; é educar para produzir for­mas cooperativas de produção e reprodução da existência humana, educar para a autodetermi­nação. A diversidade é a característica fundamental da humanidade. Por isso, não pode haver um único modo de produzir e de repro­duzir nossa existência no planeta. O que há de co­mum é a diversidade humana, a qual impõe a neces­sidade de construir a diversidade de mundos. A um pensamento único não devemos opor outro pensa­mento único. Educar para um outro mundo possível não é educar para um único mundo possível, mas educar para outros mundos possíveis. A educação tecnicista moderna perdeu a humanidade, perdeu a criança, a abertura para o outro. Educar para um outro mundo possível é educar para re-humanizar a própria educação.
Não fomos educados para ter a consciência pla­netária, e sim a consciência do Estado-nação (Hardt e Negri, 2001). Os sistemas nacionais de educação nasceram como parte da constituição do Estado-­nação. A escola atual é resultado do pensamento da modernidade (Hegel-Marx), modelada pelos Estados­-nação, e não pelo pensamento da era da globa­lização/planetarização. Educar para um outro mun­do possível exige dos educadores um compromisso pela desmercantilização da educação e uma postu­ra ético-eco-pedagógica de escuta do universo, do qual todos nós somos parte constituinte. Os educa­dores não devem dirigir-se apenas a alunos ou educandos, mas aos habitantes do planeta, conside­rando-os como cidadãos da mesma mátria (O'Sullivan, 2004; 60ff, 1995).
A Terra é nosso primeiro grande educador. Edu­car para um outro mundo possível é também educar para encontrar nosso lugar na história, no universo. É educar para a paz, para os direitos huma­nos, para a justiça social e para a diversidade cultural, contra o sexismo e o racismo. É educar para a consci­ência planetária. É educar para que cada um de nós encontre o seu lugar no mundo, educar para pertencer a uma comunidade humana planetária, para sentir profundamente o universo.
É educar para a pla­netarização, e não para a globalização. Vivemos em um planeta, e não em um globo. O globo refere-se à sua superfície, às suas divi­sões geográficas, aos seus pa­ralelos e meridianos. O globo re­fere-se a aspectos cartoriais, en­quanto o planeta, ao contrário dessa visão linear, refere-se a uma totalidade em movimento. A Terra é um superorganismo vivo e em evolução. Nosso destino, como seres humanos, está ligado ao destino desse ser chamado Terra. Educar para um outro mundo possível é educar para ter uma rela­ção sustentável com todos os seres da Terra, sejam eles humanos ou não.
É educar para viver no cosmos - educação pla­netária, cósmica e cosmológica -, ampliando nossa compreensão da Terra e do Universo. É educar para ter uma perspectiva cósmica. Só assim poderemos entender mais amplamente os problemas da deserti­ficação, do desflorestamento, do aquecimento ter­restre e dos problemas que atingem humanos e não-­humanos. Os paradigmas clássicos, arrogantemente antropocêntricos e industrialistas, não têm sufi­ciente abrangência para explicar essa realidade cós­mica. Por não terem essa visão holística, não conse­guiram dar nenhuma resposta para tirar o planeta da rota do extermínio e do rumo da cruel diferença entre ricos e pobres. Os paradigmas clássicos estão levando o planeta ao esgotamento de seus recursos naturais. A crise atual é uma crise de paradigmas civilizatórios. Educar para um outro mundo possível supõe um novo paradigma, um paradigma holístico.
Um dos maiores avanços sociais obtidos ao lon­go dos últimos séculos nos países mais próspe­ros, aos quais também aspiram somar-se mui­tos outros países, está na capacidade de participação dos indivíduos na vida política e social, que se manifesta nas tentativas de implantação de sociedades democráticas e igualitárias. A democracia não consiste apenas em que os cidadãos possam eleger seus dirigentes ou representan­tes políticos, ou que tenham os mesmos direitos e rece­bam um tratamento igualitário, mas também em que se­jam indivíduos autônomos, com capacidade para analisar racionalmente as situações sociais, compará-Ias de forma crítica e escolher entre elas as mais favoráveis tanto para o próprio bem-estar quanto para o bem-estar de todos.
A democracia procura converter-se não só em uma forma de governo político, mas também em uma forma de vida. É um modo de funcionamento da vida social, mas também tem conteúdos e valores. Contudo, a de­mocracia não é um estado, e sim um ideal para o qual se caminha - por isso, podemos falar de sociedades mais ou menos democráticas.
A democracia está diretamente relacionada à educação, pois não é possível que os cidadãos exerçam suas competências e reclamem seus direitos de uma maneira completa e satisfatória se não têm uma capacidade de escolher e de decidir com fundamento entre diferentes opções contrapostas. Uma sociedade ignorante é uma sociedade facilmente manipulável. Nesse sentido, a es­cola poderia dar uma contribuição importante ao funcio­namento democrático de uma sociedade, não apenas elevando o nível de instrução dos indivíduos, como tam­bém preparando-os para participar ativamente de uma vida democrática.
Uma educação democrática deve estar necessariamen­te relacionada a conteúdos educativos determinados, mas sobretudo a uma forma de funcionamento das institui­ções escolares, porque a democracia não é um conjunto de conhecimentos: é, antes de tudo, uma prática.
Muitas vezes, os conteúdos relacionados à democra­cia - e, em geral, ao funcionamento das formas políticas ­aparecem nas disciplinas referentes às ciências sociais. Contudo, isso não é suficiente. A participação em uma sociedade democrática como membro responsável exi­ge que se produzam mudanças e renovações na organização da escola, assim como modificações na função dos professores.
Porém, além disso, se examinamos o conteúdo das ciências sociais, damo-nos conta de até que ponto elas estão defasadas com relação à idéia de preparar para a democracia. Em cada país, o ensino das ciências sociais apresenta orientações diferentes, mas que costumam ter em comum essa falta de adequação. Por exemplo, no Brasil, os ensinos relativos ao conhecimento dos fenô­menos sociais aparecem distribuídos principalmente nas áreas de história e de geografia, bem como nos temas transversais referentes à ética, à saúde, ao meio ambien­te, à orientação sexual e à plural idade cultural.
Se pretendemos que as ciências sociais constituam uma preparação para a democracia, elas não podem consistir simplesmente em uma enumeração de fatos que estejam muito distantes da vida dos sujeitos que as estu­dem. E o que ocorre atualmente é que esses conteúdos são difíceis de conectar com a vida de cada um.
A orientação predominante para a história e a geo­grafia não me parece a única possível, nem a mais ade­quada. Sabemos perfeitamente que as crianças das pri­meiras séries têm grandes dificuldades para entender a história. Várias pesquisas mostram que entender o tem­po histórico é um pouco mais complicado e que só se começa a compreender os processos diacrônicos a par­tir dos 11 anos aproximadamente, não se chegando a uma compreensão mais adequada da história antes dos I 3 ou 1 4 anos.
Ao contrário, desde que nasce, a criança vai forman­do diversos conhecimentos sobre o meio social e não é de modo nenhum ignorante ou alheia a essas questões. Além disso, o ensino das ciências sociais tende a ser abordado a partir dos grandes problemas que dizem res­peito à sociedade quando se trata de realidades com as quais a criança não está em contato e às quais só pode chegar de­pois de um longo processo. Por outro lado, ela está em contato com atividades econômicas como as que se realizam na loja e está acostumada a um certo manejo do di­nheiro. A relação com o poder e com as figu­ras de autoridade começa dentro da família e logo se estende à escola, mas sua relação com o poder em abs­trato está muito mais distante.
Crê-se que o objetivo fundamental que deve guiar as reformas educacionais é estabelecer uma escola para a democracia, ou seja, uma escola que exista em uma so­ciedade democrática e que contribua para melhorá-Ia e aperfeiçoá-Ia. Para tanto, ela tem de dar particular aten­ção a fomentar a autonomia dos alunos, o que deve estar associado ao empenho em eliminar todas as for­mas de intolerância e de exclusão dos outros, isto é, deve ajudar a combater o racismo, o ódio em relação aos imi­grantes e desfavorecidos, o nacionalismo estreito, a ex­clusão religiosa, as atitudes machistas ou excludentes baseadas no sexo.
A escola para a democracia tem de ser uma escola que esteja longe de qualquer forma de doutrinamento. É preciso fomentar nos alunos sua capacidade de parti­cipação na vida social em um sistema democrático, ou seja, em um sistema em que existe igualdade de direitos e de deveres para todos, independentemente de sua po­sição social ou de suas crenças. Creio que a única coisa que deve ser inviolável são os princípios democráticos, tal como são expressos na Constituição ou na Carta fun­damental. A formação que se proporciona nas escolas deve permitir que os alunos elaborem suas próprias opi­niões, para que possam escolher as crenças que Ihes pareçam melhores, mais justas, mais racionais, mais ajus­tadas ao funcionamento social. Portanto, assim como não se deve inculcar uma ideologia política, a escola tam­bém não é o lugar para inculcar uma ideologia religiosa, e cada um deve adotar as crenças religiosas que sejam mais coerentes para ele e que respondam melhor às suas necessidades (Savater, 1997).   
Exercitar-se no pensa­mento exige uma disciplina na qual se inclui aprender métodos de trabalho para expor as próprias idéias a fim de que sejam compreensíveis por outros, para enten­der o que os outros dizem e analisar o sentido dos textos, para formu­lar hipóteses que sirvam para a explicação de um fe­nômeno e para contrastar nossas explicações com o que realmente ocorre, para ser capaz de avaliar duas explica­ções distintas buscando as vantagens e os inconvenien­tes de cada uma. Tudo isso é um trabalho sistemático difícil de realizar fora da escola, mas que de todo modo deveria constituir sua função fundamental. Por isso, a escola deve ser um laboratório no qual se aprenda a analisar o mundo, e é essa capacidade que os alunos deveriam alcançar no maior grau possível ao final de seus estudos.
O que se deve procurar fazer é que os alunos, ao término da escolaridade obrigatória, sejam pessoas adul­tas, maduras, capazes de discernir o que mais Ihes con­vém e o que não Ihes convém, que sejam capazes de planejar e organizar a vida por si mesmos, que sejam capazes de julgar criticamente a organização social, que do ponto de vista moral sejam capazes de comportar-se como agentes autônomos e de respeitar a liberdade, a integridade, os direitos dos outros.
Um dos aspectos que tem de mudar mais profunda­mente no futuro da escola é sua relação com o ambien­te social. A escola foi configurando-se como uma institui­ção debruçada sobre si mesma, onde se mantinham as crianças para evitar que saíssem fora, realizando ativida­des que se referiam à própria escola. Nela se proporcio­na um saber atemporal, que os alunos têm a impressão de que sempre existiu, mas cuja utilização é muito limita­da, enquanto os problemas de que se fala todo dia, os interesses dos alunos, quase não têm espaço.
Ao contrário, se concebemos a escola como lugar que facilita a construção do conhecimento e que come­ça nos processos de pensamento e na autonomia do indivíduo, temos de abri-Ia para fora, pelo menos em três sentidos.
Em primeiro lugar, convertendo os problemas coti­dianos em objeto de conhecimento. Em segundo lugar, mostrando como o conhecimento contribui para resol­ver esses problemas, mas para isso tem de se transfor­mar em uma instituição ativa no meio social em que se encontra, pois a escola poderia proporcionar muitas coi­sas à comunidade em que está situada.
Por isso, e em terceiro lugar, ela pode oferecer cultu­ra, conhecimento, um lugar de intercâmbio, além de ser uma instituição social para toda a comunidade. É absur­do o desperdício de dispor edifícios amplos e numerosos e utilizá-Ios apenas algumas horas por dia quando pode­riam ser empregados por muito mais tempo. As escolas deveriam manter-se abertas o dia todo para funcionar como instituição de cultura não apenas para as crianças ou os jovens, mas para todos. Nelas se deve poder reali­zar inúmeras tarefas úteis para os membros adultos da comunidade. Na escola, deve haver diferentes tipos de oficinas, desde carpintaria, mecânica e bricolagem, até vídeo, música, fotografia ou sala de leitura. Especificamen­te, podem ser organizadas na escola cursos e atividades de formação de adultos, conferências, exposições, projeções de filmes, etc., dos quais todos possam participar.
Deve-se procurar vincular os adultos a ela para que venham aprender e ensinar, começando pelos pais. Uma mãe pode ser médica e um dia vir para falar das doen­ças infecciosas, ou dos microrganismos que vivem na água. Um pai pode dedicar-se a cultivos em sementeira e explicar como se consegue obter várias colheitas sob plástico, ou os problemas que as pragas causam nessas condições. Uma mãe que trabalha em um banco pode explicar como se automatizam os pagamentos, ou como são organizados os caixas automáticos. Quando virem que na escola são realizadas atividades úteis, sentirão muito mais intensamente suas possibilidades de partici­pação dentro dessas atividades.
Mas nem todas as pessoas que participem das ativi­dades da escola têm de ser pais. Qualquer um pode ir falar de sua experiência. Naturalmente, tem de fazê-Io em termos compreensíveis para as crianças e de forma que isso se relacione com suas demais experiências e aprendizagens, e é o professor que pode organizar tais atividades, embora também possa ser feito por um gru­po de crianças que organizem as experiências ou a par­ticipação de pessoas. Igualmente, as crianças devem fa­zer visitas fora da escola.
É óbvio que nem todas as escolas podem realizar to­das essas atividades, porque carecem dos meios neces­sários, mas há muitas mais do que aquelas que ofere­cem agora. Será preciso adaptar os meios e as instala­ções e contar com um pessoal diferente dos professores que lecionam as matérias curriculares que sejam encarregados de bibliotecas, oficinas, quadras de esportes ou sejam animadores socioculturais. No entanto, creio que as vantagens de oferecer às crianças e aos jovens luga­res de ócio, de distração e de formação complementar e interessante podem ser enormes, como prevenção da delinqüência e das condutas anti-sociais. No final das contas, é muito mais econômico investir em prevenção do que construir mais presí­dios ou instituições de inter­namento de menores.
Um assunto que merece a máxima atenção, ainda que não possa­mos desenvolvê-Io aqui, é a função dos professores em uma escola que prepare para a democracia. O professor de­sempenha uma função central para a organização das atividades de aprendizagem, além de lecionar matérias. Deve ter uma capacidade de empatia para saber o que o aluno sente e o que o aluno precisa a cada momento. E tem de animá-Io a trabalhar, ajudá-Io a superar os obs­táculos que encontra, guiá-Io no trabalho. O professor põe o aluno a trabalhar e orienta-o para tarefas e propostas que são acessíveis. É preciso estimular os alunos a que se proponham a estudar um determinado proble­ma, mas é o professor que tem de direcionar a atividade por caminhos que sejam viáveis, o que pode fazer gra­ças à sua maior experiência. O aluno precisa elaborar o conhecimento ao mesmo tempo em que constrói seus instrumentos intelectuais e suas formas de relação com os outros mediante um trabalho próprio, pessoal, que é único para cada indivíduo e que supõe uma participa­ção muito ativa no trabalho construtivo. Contudo, ele faz essa aprendizagem junto com os outros, com seus companheiros de idade, com crianças maiores e com os adultos. O professor deve promover a autonomia da crian­ça e dar-lhe possibilidades de aprender por si só, mas deve estar presente quando necessário e também deve ser capaz de apoiá-Ia e de animá-Ia quando se depara com problemas.
Assim, a tarefa do professor é insubstituível dentro da sala de aula, mas ele pode contar com outros apoios materiais e humanos, além de ser desincumbido de mui­tas tarefas que tem de realizar agora para se concentrar em ser criador de ambientes e atividades de aprendiza­gem. O professor desempenha duas funções fundamen­tais: é um modelo, na medida em que mostra como se deve pensar, impõe sua autoridade (mas não seu poder), autoridade que tem de ser conquistada, e é um animador social, na medida em que cria as situações de aprendizagem e faz com que se desenvolvam de manei­ra adequada.
As problemáticas educacionais do nos­so tempo fazem parte de um panorama mais amplo de mudanças sociais constantes, que complica a escolha de referentes seguros. Como explica o so­ciólogo Anthony Giddens, vivemos um período em que a produção intensa e acelerada de conhecimento "empurra" a vida social para fora dos ancoradouros da tradição. As relações sociais situam-se em contextos de espaço e tem­po tão heterogêneos, que é difícil ter uma vi­são de conjunto. Assim, colocam-se sérias inda­gações sobre o papel que devem desempenhar as instituições sociais, entre elas a escola. Os professores, como cidadãos que são e igualmen­te como profissionais que exercem sua tarefa nessas instituições sociais, vivem tal situação com dificuldades.
As mudanças sempre geram incertezas, mas também possibilidades. Vivemos uma trans­formação considerável do sujeito cognitivo, da ciência objetiva e da cultura coletiva, motivo pelo qual precisamos aprimorar nossas capaci­dades para compreender e para transmitir. Hoje, ensinar de acordo com o que entendemos por conhecimento, segundo Benejam (2005, p. 104): "não implica apenas a formação de uma mente ordenada e pensante, mas devemos abor­dar claramente e de maneira inseparável o cam­po dos valores. Entendemos a liberdade como capacidade de consciência, como capacidade de pensar por si mesmo, como capacidade de escolher. Entendemos a igualdade como capacidade de dúvida e de reconhecimento da necessidade de comunicação com os outros (...). Ninguém se constrói sem a idéia de conflito, sem chegar a sentir a intranqüilidade que dá a distância entre o que se 'é' e o que se 'deveria ser', e essa in­quietação é o princípio da cooperação".
É na sala de aula de uma escola que se cristalizam os conflitos que põem à prova a qua­lidade dos professores, assim como suas condi­ções de trabalho. As salas de aula constituem um espaço socialmente necessário em face do desaparecimento de outros espaços públicos, em benefício de um individualismo difuso de mas­sas. A sociedade encaminha-se para um mundo onde é cada vez maior a incidência de redes virtuais, que eliminam os parâmetros de espa­ço e tempo presenciais nas relações pessoais e distribuem os fluxos informativos, menosprezando o protagonismo que até então pertencia às instituições. Essa evolução social, positiva em muitos aspectos, põe em xeque algumas fun­ções da escola, uma instituição localizada no importante cruzamento entre a esfera pública e a esfera privada dos indivíduos, mas também enfatiza sua transcendência.
O interesse da educação escolar contem­porânea reside justamente no fato de que alu­nos diferentes escolarizam-se juntos, e a fun­ção dos professores consiste na busca de estra­tégias que convertam as salas de aula em lugares propícios para o ensino e a aprendizagem. O caráter comunitário da escola é mais relevante do que nunca, visto que ela tem a possibilidade de se converter em um âmbito no qual se pratique uma racionalidade baseada no diálogo, na aceitação do conflito e em sua superação medi­ante a negociação. Assim, a formação do do­cente deve ter como um de seus eixos centrais essa concepção comunitária, cooperativa e in­clusiva da educação.
O ensino, em suas diferentes etapas, tem como desafio situar a aprendizagem das crian­ças em um processo aberto a partir de sua pró­pria biografia, com o objetivo de apurar sua habilidade diante das inseguranças e de melhor compreender os fenômenos sociais contempo­râneos. Como assinala Beck (1998), quando uma quantidade cada vez maior de pessoas deixa-se levar por relações que não são capazes de en­tender, de dominar ou de ignorar por seus próprios meios, aumenta a conflituosidade social. Desse modo, o que ocorre na sala de aula já não se explica em termos de uma causalidade linear, mas forma um conjunto complexo, no qual as explicações são provisórias e plurais, enquanto os modelos psicopedagógicos basea­dos no automatismo causa-efeito - bastante ar­raigados no pensamento implícito de muitos professores - mostram-se insuficientes.
A adoção de uma perspectiva cultural, ar­tística e comunicativa da aprendizagem escolar deve levar em conta tanto a coletividade quanto a individualidade. O grupo-classe não tem senti­do se não acolher as especificidades e as dife­renças individuais; somente a partir delas, e não sem elas, pode-se avançar juntos. Hoje, os me­canismos que pressionam no sentido da confor­midade são fortes em todas as idades. Ainda que a retórica geral, os discursos oficiais e os textos legais defendam uma pedagogia da diversidade, é igualmente verdade que existe menos tolerân­cia do que parece. E não só apenas a gru­pos culturais, etnias ou grupos sociais diferen­tes, mas também às características de persona­lidade, de estilo de cada individuo.
A organização de um contexto plural, ou seja, laico, não é possível se não se tiver presente que as praticas escolares são inter-relacionadas, devido às influências diversas e contraditórias que existem na sociedade, motivo pelo qual a construção do currículo escolar desenvolve-se em um terreno de conflito mais do que em um âmbito estável de relações. O currículo depende da maneira como se distribuem os bens e serviços em uma sociedade. Conseqüentemente, a necessidade de compreender o currículo como uma questão cul­tural é um elemento importantíssimo na forma­ção dos docentes. A educação contemporânea deve mover-se em uma constante oscilação entre estabilidade e precariedade dos conhecimen­tos, deve propor estratégias didáticas em meio a crenças não-consensuais em seu meio social e deve priorizar determinadas informações em meio a contradições culturais evidentes.
As dificuldades de "visibilidade" da tarefa do­cente tornam necessário aprofundar-se na au­tonomia que permita agir tanto em fun­ção de tarefas acadêmicas quanto em função de um clima externo à instituição escolar. A autonomia docente implica, portanto, romper com uma excessiva de­pendência administrativa, que acaba levando a uma depen­dência moral. É por isso ainda que a discrepância deve ter um lugar de destaque se aceitamos a pluralidade e a laicidade como valores centrais da edu­cação pública.
É preciso que a formação ini­cial hoje dê um salto adiante. As di­mensões e a duração dessa formação inicial indicarão nitidamente a importância que a so­ciedade atribui ao trabalho dos professores ­para além das declarações retóricas e, por que não dizer, de uma certa hipocrisia. Esperamos ainda que as diferenças de formação entre os professores nas várias etapas educativas sejam diferenças apenas de modalidade, de especia­lização, mas que todos os docentes sejam valo­rizados da mesma maneira, independentemen­te da etapa educacional em que trabalhem.
Os fatos apresentados obrigam a reorientar a formação dos pro­fessores, que não pode mais se fundamentar em uma concepção que reduz a prática a uma mera aplicação. A docência contemporânea deve in­cluir a capacidade para tolerar a incerteza. Isso pode criar problemas - e, de fato, cria para uma parte dos professores.
Por isso, os estudos sobre a evolução das pro­fissões, em geral, e da profissão docente, em par­ticular, insistem no fato de que esta não é adqui­rida de um dia para outro, e sim progressivamen­te, mediante uma formação que deve integrar-se ao itinerário biográfico da pessoa e mediante uma evolução da profissionalização, entendida em sen­tido amplo: "Deveria ser uma questão prioritária na formação docente compreender a vida emoci­onal dos professores, seus sentimentos em relação ao seu trabalho, levar em conta sua vida emo­cional e os contextos em que se desenvolve de forma que a cultivem positivamente, evitando des­truí-Ia", conforme Hargreaves (1999, p. 136).
A formação dos docentes está muito próxima das necessidades administrativas dos sistemas e deve avançar mais na direção de for­mar pessoas dispostas a en­frentar as incertezas da mu­dança, capazes de suportar o reality shock, o contato com a realidade; pessoas recep­tivas a um ambiente educa­cional que é o resultado e o espelho de uma sociedade con­traditória e heterogênea, dispostas a aceitar o conflito como elemento indispensável para cres­cer coletivamente. "Os problemas são nossos amigos", afirma Fullan (1994, p. 159).
A formação inicial dos professores deverá, portanto, aprofundar-se em todas as atividades nas quais o futuro docente possa ter a oportu­nidade de avaliar diretamente conflitos de ca­ráter cultural, de trocar pontos de vista com seus colegas, de enfrentar dilemas morais, de intercambiar contatos e experiências, de desenvolver práticas de aprendizagem em ambi­entes socioculturais diferenciados, etc. Afinal, uma das primeiras tarefas do professor é a de se educar nas condições em que terá de educar. É a partir do conhecimento das condições em que se efetiva a tarefa docente que as mudan­ças poderão caminhar na direção desejada.
Em suma, uma educação plural impõe ne­cessariamente rever o caráter da formação ini­cial dos professores e o papel da universidade nesse campo. Não basta pedir ou desejar que os professores estejam capacitados para resol­ver os conflitos que o exercício da prática do­cente supõe; é preciso implementar modifica­ções profundas na estrutura, na organização e nos conteúdos da formação dos professores. Uma formação inicial renovada deve passar por uma formação científica e acadêmica o mais rigoro­sa possível, juntamente com uma necessária formação pedagógica. "Em alguns países, critica-se o fato de o sistema ignorar a pedagogia; em outros, ao contrário, de privilegiá-la excessiva­mente. As duas competências são necessárias, e nem a formação inicial nem a formação permanente deve ser sacrificada em nome da ou­tras" (Delors, 1996, p. 135).
Falta uma formação da perspectiva globa­lizante, que permita a especialização poste­rior, assim como uma formação aberta a novos procedimentos não-convencionais de aprendi­zagem, mediante o exemplo, o treinamento, a reflexão e a discussão da prática, em um iti­nerário que transite permanentemente da prá­tica à teoria e retome à prática; uma forma­ção com apoio emocional; uma formação que inclua a elaboração de experiências de apren­dizagem, os estudos de casos e as pequenas pesquisas sobre realidades específicas; uma formação que não apenas ensine aos futuros professores como ensinar, mas que, ao mesmo tempo, os forme para que continuem apren­dendo em contextos escolares diferentes e no âmbito de uma sociedade plural.
Diante das exigências do mundo globalizado, em constante e rápida transformação, é necessário que o professor crie um perfil diferente deste que vem predominando nas escolas e nas universidades nas últimas décadas.
O professor precisa ser flexível, o que significa estar aberto para novas idéias e conceitos. O futuro terá lugar para profissionais versáteis, ou seja, aqueles que compreendem cada função dentro da escola e como elas se relacionam. O profissional não pode se limitar a conhecer apenas a sua função, é preciso ter conhecimentos globais.
Espírito de liderança é fundamental ao profissional do futuro, que terá de exercê-Io com freqüência tendo em vista a necessidade de responder a mudanças. Deverá expressar-se com clareza, o que exige um bom poder de comunicação, tanto no trabalho como fora dele. É indispensável conhecer avanços em todas as áreas, inclusive o tecnológico.
Na educação do futuro, o conteúdo deixa de ter um fim em si mesmo e passa a ser um meio para desenvolver competências. O conhecimento que era fragmentado, dividido por disciplinas, de caráter enciclopédico, memorizador e cumulativo vem ser interdisciplinar, contextualizado, privilegiando a construção de conceitos e a criação dos sentidos. O currículo fracionado, estático, organizado por disciplinas passará a ser em rede, dinâmico, organizado por áreas de conhecimento e temas geradores. A sala de aula que apresentava-se como espaço de transmissão de saber passa a ser concebido como um local de reflexão e de situações de aprendizagem. As atividades que eram padronizadas e rotineiras deverão ser centradas em projetos e resoluções de problemas. O papel do professor que era de transmitir conhecimento, deverá ser de um facilitador da aprendizagem, mediador do conhecimento. A avaliação classificatória e excludente passará a ser formativa, buscando avaliar as competências adquiridas.
São várias as competências profissionais exigidas do professor na escola do futuro. Este deverá saber organizar e estimular situações de aprendizagem, trabalhando a mesma a partir dos erros envolvendo os alunos em atividades de pesquisa e projetos de conhecimentos. Administrar a progressão das aprendizagens, concebendo e administrando situações-problema ajustado ao nível e as possibilidades dos alunos. Envolver os alunos em sua aprendizagem sabendo conduzir trabalhos em equipe, administrando crises ou conflitos interpessoais. O professor deverá saber utilizar as ferramentas multimídias do ensino e administrar sua própria formação contínua.
Nos novos tempos, a escola deverá ser uma instituição que tenha capacidade de aprender. Para isso ocorrer, será necessário que os professores criem espaços de aprendizagem, sejam capazes de trabalhar com múltiplas linguagens (verbal, imagética, escrita, corporal, etc) e elaborem atividades que desenvolvam a intersubjetividade e a comunicação com o outro, esteja ele próximo ou distante.
O novo professor precisará no cotidiano, criar condições para a vivência dos contextos por parte dos alunos e propiciar também a convivência entre sujeitos. Será uma nova pedagogia, que denominamos pedagogia da diferença, a qual se estrutura a partir do diferente na diferença, enfatizando as singularidades, tanto de natureza espaço-temporal como no âmbito das subjetividades. Este será o novo papel do professor e esta deverá ser a nova escola do futuro: uma escola centrada nos homens e nas mulheres, enquanto expressões do ser humano.
Vivemos hoje, nós que nos dedicamos  à educação, qual Édipo diante da Esfinge. Ou deciframos o enigma que o monstro nos coloca ou somos devorados por ele. No processo educativo, ser devorado peja Esfinge é passar a fazer parte do sistema educacional vigente, tornar-se mais uma engrenagem dessa máquina social, reproduzindo-a a todo instante em nossos fazeres cotidianos. A condição de não ser mais uma engrenagem é sermos capazes de decifrar os enigmas que a crise na educação nos apresenta, conseguindo superar esse momento de rupturas.
Os enigmas não são poucos; a crise na educação é multifacetada. Um dos seus aspectos diz respeito ao próprio conceito de educação e a como a escola se organiza para materializá-Ia: a função da escola em nossos dias é instruir, ou seja, transmitir conhecimentos? Ou é educar, isto é, formar integralmente uma pessoa?
Educação e instrução não se excluem, mas se complementam. Ou melhor, a educação abarca a própria instrução e a completa, formando o indivíduo intelectual e socialmente, duas realidades na verdade indissociáveis.
A instrução é o ato de instrumentalizar o aluno, fornecendo a ele os aparatos básicos para que possa se relacionar satisfatoriamente com a sociedade e com seu mundo. A instrução trabalha a aquisição das ferramentas de comunicação: a língua materna, que ele basicamente já domina na forma oral, será também assimilada na forma escrita, estendendo e alargando os horizontes da comunicação. Além da língua materna, outras ainda podem ser trabalhadas, garantindo um aprofundamento do conhecimento da própria língua original e abrindo novas perspectivas. Por outro lado, temos a linguagem matemática, que é imprescindível para a comunicação científica. Ajuda na articulação lógica das mensagens como um todo e abre caminho para a apreensão dos conhecimentos científicos, o desvendar dos segredos do mundo. De posse das ferramentas básicas para a comunicação e o entendimento, a instrução procura também fornecer aos alunos os conhecimentos básicos sobre o mundo e sobre a sociedade, traduzidos nas disciplinas física, química, biologia, que integram a cosmologia, isto é, os conhecimentos humanos sobre o Universo, e nas disciplinas geografia e história, que mostram como o homem relaciona-se com seu espaço e sua marcha social através dos tempos.
Mas a educação não se resume à transmissão desses conhecimentos; uma pessoa de posse de tais instrumentos ainda não está apta a relacionar-se com o mundo e com a sociedade de maneira plena, autêntica e satisfatória: falta-lhe ainda uma postura diante da realidade, uma forma de se utilizar desses aparelhos, uma personalidade definida. Mas como se ensina uma postura, como se forma a personalidade?
Antes de tudo, é bom lembrar que a postura não é adquirida apenas na escola: já na família e nas diversas instituições sociais a criança vai tomando contato com uma série de realidades que a levam a assumir determinadas posturas, sendo que com o passar do tempo ela vai filtrando algumas, cristalizando outras, formando o caráter, a personalidade. Mas, e na escola, como se dá o processo? Será que a formação da personalidade acontece por meio de um aprendizado direto, análogo àquele que ocorre com os conhecimentos sobre o mundo? É óbvio que não. Não se adquire postura por meio de discurso. Exemplificando: não é com intermináveis aulas de ética, nas quais um professor apresenta e repete os preceitos morais da sociedade, que o aluno conseguirá assumir, em sua vida, posturas moralmente corretas pautadas por esses preceitos.
A formação do aluno jamais acontecerá pela assimilação de discursos, mas sim por um processo microssocial em que ele é levado a assumir posturas de liberdade, respeito, responsabilidade, ao mesmo tempo em que percebe essas mesmas práticas nos demais membros que participam deste microcosmo com que se relaciona no cotidiano. Uma aula de qualquer disciplina constitui-se, assim, em parte do processo de formação do aluno, não pelo discurso que o professor possa fazer, mas pelo posicionamento que assume em seu relacionamento com os alunos, pela participação que suscita neles, pelas novas posturas que eles são chamados a assumir. É claro que esse processo não fica confinado à sala de aula;
Para formar integralmente o aluno não podemos deixar de lado nenhuma dessas facetas: nem a sua instrumentalização, pela transmissão dos conteúdos, nem sua formação social, pelo exercício de posturas e relacionamentos que sejam expressão da liberdade, da autenticidade e da responsabilidade. A esse processo global podemos, verdadeiramente, chamar de educação. Deste ponto de vista, os conteúdos a serem trabalhados são expressão da instrução, enquanto que as posturas de trabalho individual e coletivo se traduzem no método de trabalho pedagógico. A educação é, pois, uma questão de método.
Se desejamos uma educação com tais características, elas precisam estar materializadas nos currículos de nossas escolas. Infelizmente, não é bem isso que vemos ao analisá-Ios.
3.1.2 - O Leitor Investigativo e Reflexivo

É preciso superar algumas concepções sobre o aprendizado inicial da leitura. A principal delas é a de que ler é simplesmente decodificar, converter letras em sons, sendo a compreensão conseqüência natural dessa ação. Por conta desta concepção equivocada a escola vem produzindo grande quantidade de "leitores" capazes de decodificar qualquer texto, mas com enormes dificuldades para compreender o que tentam ler.
O conhecimento atualmente disponível a respeito do processo de leitura indica que não se deve ensinar a ler por meio de práticas centradas na decodificação. Ao contrário, é preciso oferecer aos alunos inúmeras oportunidades de aprenderem a ler usando os procedimentos que os bons leitores utilizam. É preciso que antecipem, que façam inferências a partir do contexto ou do conhecimento prévio que possuem, que verifiquem suas suposições - tanto em relação à escrita, propriamente, quanto ao significado. É disso que se está falando quando se diz que é preciso "apren­der a ler, lendo": de adquirir o conhecimento da correspondência fonográfica, de compreender a natureza e o funcionamento do sistema alfabético, dentro de uma prática ampla de leitura. Para aprender a ler, é preciso que o aluno se defronte com os escritos que utilizaria se soubesse mesmo ler - com os textos de verdade, portanto. Os materiais feitos exclusivamente para ensinar a ler não são bons para aprender a ler: têm servido apenas para ensinar a decodificar, contribuindo  para que o aluno construa uma visão empobrecida da leitura.
De certa forma, é preciso agir como se o aluno já soubesse aquilo que deve aprender. Entre a condição de destinatário de textos escritos e a falta de habilidade temporária para ler autonomamente é que reside a possibilidade de, com a ajuda dos já leitores, aprender a ler pela prática da leitura. Trata-se de uma situação na qual é necessário que o aluno ponha em jogo tudo que sabe para descobrir o que não sabe, portanto, uma situação de aprendizagem. Essa circunstância requer do aluno uma atividade reflexiva que, por sua vez, favorece a evolução de suas estratégias de resolução das questões apresentadas pelos textos.
Essa atividade só poderá ser realizada com a intervenção do pro­fessor, que deverá colocar-se na situação de principal parceiro, agrupar seus alunos de forma a
favorecer a circulação de informações entre eles, procurar garantir que a heterogeneidade do grupo seja um instrumento a serviço da troca, da colaboração e, conseqüentemente, da própria apren­dizagem, sobretudo em classes numerosas nas quais não é possível aten­der a todos os alunos da mesma forma e ao mesmo tempo.
Para aprender a ler, portanto, é preciso interagir com a diversidade de textos escritos, testemunhar a utilização que os já leitores fazem deles e participar de atos de leitura de fato; é preciso negociar o conhecimento que já se tem e o que é apresentado pelo texto, o que está atrás e diante dos olhos, recebendo incentivo e ajuda de leitores experientes.
A leitura, como prática social, é sempre um meio, nunca um fim. Ler é resposta a um objetivo, a uma necessidade pessoal. Fora da escola, não se lê só para aprender a ler, não se lê de uma única forma, não se decodifica palavra por palavra, não se responde a perguntas de verifica­ção do entendimento preenchendo fichas exaustivas, não se faz desenho sobre o que mais gostou e raramente se lê em voz alta. Isso não significa que na escola não se possa eventualmente responder a perguntas sobre a leitura, de vez em quando desenhar o que o texto lido sugere, ou ler em voz alta quando necessário.
Uma prática constante de leitura na escola pressupõe o trabalho com a diversidade de objetivos, modalidades e textos que caracterizam as práticas de leitura de fato. Diferentes objetivos exigem diferentes tex­tos e, cada qual, por sua vez, exige uma modalidade de leitura. Há textos que podem ser lidos apenas por partes, buscando-se a informação neces­sária; outros precisam ser lidos exaustivamente e várias vezes. Há textos que se pode ler rapidamente, outros devem ser lidos devagar. Há leituras em que é necessário controlar atentamente a compreensão, voltando atrás para certificar-se do entendimento; outras em que se segue adiante sem dificuldade, entregue apenas ao prazer de ler. Há leituras que requerem um enorme esforço intelectual e, a despeito disso, se deseja ler sem parar; outras em que o esforço é mínimo e, mesmo assim, o desejo é deixá-­Ias para depois.
Para tornar os alunos bons leitores - para desenvolver, muito mais do que a capacidade de ler, o gosto e o compromisso com a leitura -, a escola terá de mobilizá-Ios internamente, pois aprender a ler (e também ler para aprender) requer esforço. Precisará fazê-Ios achar que a leitura é algo interessante e desafiador, algo que, conquistado plenamente, dará autonomia e independência. Precisará torná-Ios confiantes, condição para poderem se desafiar a "aprender fazendo". Uma prática de leitura que não desperte e cultive o desejo de ler não é uma prática pedagógica eficiente.
Formar leitores é algo que requer, portanto, condições favoráveis para a prática de leitura - que não se restringem apenas aos recursos materiais disponíveis, pois, na verdade, o uso que se faz dos livros e de­mais materiais impressos é o aspecto mais determinante para o desenvol­vimento da prática e do gosto pela leitura.
A leitura é uma atividade que se realiza individualmente, mas que se insere num contexto social, envolvendo disposições atitudinais e capacidades que vão desde a decodificação do sistema de escrita até a compreensão e a produção de sentido para o texto lido. Abrange, pois, desde capacidades desenvolvidas no processo de alfabetização "stricto sensu" até capacidades que habilitam o aluno à participação ativa nas práticas sociais letradas que contribuem para o seu letramento.
Como a capacidade de compreensão não vem automaticamente, nem plenamente desenvolvida, precisa ser exercitada e ampliada em diversas atividades, que podem ser realizadas antes mesmo que os alunos tenham aprendido a decodificar o sistema de escrita. O professor contribui para o desenvolvimento dessa capacidade dos alunos quando: a) lê em voz alta e comenta ou discute com eles os conteúdos e usos dos textos lidos; b) proporciona a eles familiaridade com gêneros textuais diversos (histórias, poemas, trovas, canções, parlendas, listas, agendas, propagandas, notícias, cartazes, receitas culinárias, instruções de jogos, regulamentos etc.), lendo para eles em voz alta ou pedindo-Ihes leitura autônoma; c) aborda as características gerais desses gêneros (do que eles costumam tratar, como costumam se organizar, que recursos lingüísticos costumam usar); e, d) instiga os alunos a prestarem atenção e explicarem os 'não ditos' do texto, a descobrirem e explicarem os porquês, a explicitarem as relações entre o texto e seu título.
Saber reconhecer diferentes gêneros textuais e identificar suas características gerais favorece bastante o trabalho de compreensão, porque orienta, adequadamente as expectativas do leitor diante do texto. O professor contribui para isso quando propõe, antes da leitura, perguntas que suscitam a elaboração de hipóteses interpretativas, que serão verificadas (confirmadas ou não) durante e depois da leitura: "de que assunto trata esse texto?", "é uma história?", "é uma notícia?", "é triste?", "é engraçado?", "o que vai acontecer?". Até o leitor iniciante pode tentar adivinhar o que o texto diz, pela suposição de que alguma coisa está escrita, pelo conhecimento do seu suporte (livro de história, jornal, revista, folheto, quadro de avisos etc.) e de seu gênero, pelo conhecimento de suas funções (informar, divertir etc.), pelo título, pelas ilustrações.
Outras atividades adequadas para desenvolver a capacidade de compreensão e que podem ter início desde antes da alfabetização "stricto sensu", porque podem ser realizadas a partir da leitura em voz alta feita pelo professor são as que levam os alunos a partilhar sua emoção e sua compreensão com os colegas, avaliando e comentando afeti­vamente o texto, resumindo-o, explicando-o, fazendo extrapolações (isto é, projetando o sentido do texto para outras vivências, outras realidades). Resumir, explicar, discutir e avaliar o texto requer tê-Io compreendido globalmente, ter interligado informações e produzido inferências. Fazer extrapolações pertinentes - sem perder o texto de vista - contribui para o aprendizado afetivo e atitudinal de descobrir que as coisas que se lêem nos textos, podem fazer parte da nossa vida, podem ter utilidade e relevância para nós.
 Ensinar a ler, trata-se de exercitar a leitura para praticar, numa primeira instância, a decodificação da escrita, adestrando o olho para enxergar mais do que uma letra de cada vez, mais do que apenas uma palavra, para entender os processos de construção das pala­vras (os radicais, os afixos, as desinências), para enxergar as discrepâncias que caracterizam a ortografia, para atribuir significado a expressões, a metáforas, para se familiarizar com a sintaxe da língua escrita (a concordância verbal e nominal, as formas e os tempos verbais, o uso das preposições, as conjunções e outros nexos), para entender o significado dos sinais de pontuação, o das letras maiúsculas e o das minúsculas, o das margens do texto, para construir um repertório de enredos, de personagens, de raciocínios, de argumentos, de linhas de tempo, de conceitos que caracterizam as áreas de conhecimento, para, enfim, movimentar-se com desenvoltura no mundo da escrita. Esta leitura de formação de leitor tem por objetivo desenvolver no aluno a familiaridade com a língua escrita através da leitura de todo o tipo de texto, numa quantidade tal que o faça gostar de ler e de perceber a importância da leitura para sua vida pessoal e social, transformando-a num hábito capaz de satisfazer esse gosto e essa necessidade.
E como os professores trabalhariam com esses livros? Ensinando a ler, começando por colocar os alunos na mais ade­quada postura para ler: sentados em silêncio, administrando a escolha dos livros, conversando com o aluno que solicitar uma orientação a respeito do assunto do livro, incentivando-o a olhar no dicionário alguma palavra-chave para o entendimento do texto, ajudando o aluno a usar o dicionário, fornecendo-lhe indicações bibliográficas nas quais poderia procurar mais informações a respeito de um assunto que lhe despertou um interesse mais forte, estimulando esse interesse, incentivando-o a falar aos colegas a respeito do que está lendo, a trocar impressões com os colegas a respeito de leituras comuns.
E por que em sala de aula e não na biblioteca? Porque a sala de aula é o lugar onde o professor ensina, onde ele mos­tra, por sua presença e sua atuação, a importância da leitura. Ele traz os livros e os apresenta, estimula a todos a escolherem do que vão ler, fica sabendo do interesse que vai se formando para cada um, faz sugestões, discute os assuntos, responde perguntas, aprofunda o assunto. Ele lê com seus alunos. A biblioteca é o lugar de outra magia: lá está o tesouro inesgotável do conhecimento construído historicamente pela humanidade. Na biblioteca, o aluno, explorando o seu acervo, vai expandir seus interesses, vai descobrir que existem enciclopédias, mapas, atlas, manuais, revistas, livros de todo o tipo e sobre todos os assuntos, ou vai concentrar-se numa leitura de aprofundamento de um determinado interesse criado na leitura em sala de aula. A sala de aula é lugar da criação de um vínculo com a leitura, pela inserção do aluno na tradição do conhecimento. A biblioteca é o lugar do cultivo pessoal desse vínculo. Lá se processa o amadurecimento intelectual.
Ao lado dessa atividade de leitura orientada pelo gosto, pelo prazer de atribuir sentido a um texto, cada professor na aula de sua respectiva disciplina (ou dois ou mais professores em trabalho multidisciplinar) vai promover leituras de aprofundamento de textos: agora todos vão viver o encantamento da descoberta coletiva dos muitos sentidos historicamente reconhecidos em um texto decisivo para o conhecimento produzido pela humanidade. Essa leitura de inserção do aluno no universo da cultura letrada tem por objetivo desenvolver a habilidade de dialogar com os textos lidos pelo desenvolvimento de sua capacidade de ler em profundidade e de interpretar textos significativos para a formação de sua cidadania, cultura e sensibilidade.
Ler é produzir sentido: o leitor atribui ao texto que tem diante de si o sentido que lhe é acessível. Assim, o aluno de 5ª série, que acabou de ler o "Soneto da fidelidade", chama a professora para expressar sua admiração. Gostou muito da comparação do amor com fogo: aqui, sora, posto que é chama... Cabe ao professor, então, ensinar ao aluno, que posto que é uma construção da língua escrita e busca expressar uma relação tal, que liga um efeito à sua esquerda com uma causa à sua direita, uma expressão da mesma família do porque. O professor vai dizer que a leitura corrente do poema interpreta o verso "que não seja imortal posto que é chama", como o amor "não é imortal, porque é como uma chama, que pode se apagar" vai dizer também que na comparação do amor com fogo, o sentido que o aluno construiu, com os meios expressivos a que tinha acesso, é uma metáfora muito expressiva, a partir da qual ele pode produzir o seu próprio poema a respeito do mesmo tema.
É um direito de cidadania do aluno, ter acesso aos meios expressivos construídos historicamente pelos falantes e escritores da Língua Portuguesa, para que se torne capaz de ler e compreender todo e qualquer texto já escrito nessa língua. Ensinar a ler é levar o aluno a reconhecer a necessidade de aprender a ler tudo o que já foi escrito, desde o letreiro do ônibus aos nomes das ruas, dos bancos e das casas comerciais, leituras fundamentais para a sua sobrevivência e orientação numa civilização construída a partir da língua escrita. Ler o jornal que vai relacioná-Io minimamente com o mundo lá fora; ler os poemas, que vão dar concretude, qualificar e expandir os limites de seus sentimentos; ler narrativas, que vão organizar sua relação com a complexidade da sua vida social; ler as leis e os regulamentos que regem a sua cidadania; e, ler os ensaios que apelam à sua racionalidade e a desenvolvem.
Ensinar a ler é também dar acesso aos meios expressivos necessários para que o aluno leia não apenas os seus con­temporâneos, dialogando com eles dentro de um universo comum de questões, problemas e descobertas, mas também os antigos, até com os fundadores da língua, para que ele possa perceber que a Língua Portuguesa que ele lê é produto do trabalho de homens como ele, que a tornaram capaz de expressar o que precisaram que ela expressasse.
Assim como numa primeira instância, ensinar a ler é alfabetizar, levar o aluno ao domínio do código escrito. Ensi­nar a ler, continua sendo levar o aluno ao domínio de códigos mais elaborados e mais especializados. A quem cabe ensinar o significado corrente de posto quê? Em princípio, costuma-se atribuir tarefas desse tipo ao professor de Português, mas qualquer professor, de qualquer disciplina, é pelo menos, também em princípio, um leitor da Língua Portuguesa e, como tal, pode fazer uma ponte entre o significado construído pelo aluno e o significado corrente da expressão. E o princípio mais saudável para reger essa tarefa é a sabedoria relativa de cada um. Vamos combinar que não é feio nem constrangedor ignorar o significado de alguma palavra ou expressão, nem mesmo para os professores de Português. Vamos combinar que é muito mais útil para professores e alunos, que todos acabem achando natural procurar resolver as próprias dúvidas em dicionários, enciclopédias, manuais, guias ortográficos, dicionários especializados. Vamos combinar que feio e inútil (e muito mais trabalhoso) é estigmatizar a ignorância alheia e esconder a própria.
E na escola? Que leitor formar? Evidentemente, qualquer pessoa comprometida com a educação logo pensará que compete à escola formar leitores críticos, e esse tem sido, efetivamente, o objetivo perseguido nas práticas escolares, amparadas pelos discursos dos teóricos da linguagem e pelos documentos oficiais nas últi­mas décadas.
Formar para o gosto literário, conhecer a tradição literária local e oferecer instrumentos para uma penetração mais aguda nas obras - tradicionalmente objetivos da escola em relação à literatura - decerto supõem percorrer o arco que vai do leitor vítima ao leitor crítico. Tais objetivos são, portanto, inteiramente pertinentes e inquestionáveis, mas questionados devem ser os métodos que têm sido utilizados para esses fins.
Veja-se que a tarefa é bastante difícil, uma vez que a ficção juvenil, que tem sido quase hegemônica no ensino fundamental, ou os best-sellers não são suficientes para lançar o jovem no âmbito mais complexo da leitura literária, pois nesses casos a experiência ainda se mantém restrita a obras consagradas pela mídia e também àquelas que oferecem um padrão lingüístico próximo da linguagem cotidiana. O desafio será levar o jovem à leitura de obras diferentes desse padrão - sejam obras da tradição literária, sejam obras recentes, que tenham sido legitimadas como obras de reconhecido valor estético -, capazes de propi­ciar uma fruição mais apurada, mediante a qual terá acesso a uma outra forma de conhecimento de si e do mundo. E é bom lembrar que nem sempre a leitura literária, como experiência estética, flui de modo espontâneo. Há pontos de re­sistência no aluno-leitor (seu repertório, os lugares-comuns em que se assenta sua experiência de leitor), como há tensões de difícil desvendamento em certos textos, especialmente o poético.
A prática escolar em relação à leitura literária tem sido a de desconsiderar a leitura propriamente e privilegiar atividades de metaleitura, ou seja, a de es­tudo do texto (ainda que sua leitura não tenha ocorrido), aspectos da história literária, características de estilo, etc., deixando em segundo plano a leitura do texto literário, substituindo-o por simulacros, como já foi dito, ou simplesmente ignorando-o.
Atividades de metaleitura são necessárias na escola, mas devem ser vistas com muito cuidado, ou melhor, de­vem responder aos objetivos previstos no trabalho escolar - "para quê?" é a pergunta a ser sempre feita. Em geral, os professores pensam com elas moti­var o aluno à leitura. Mas serão de fato adequadas para alcançar tal objetivo? Ao fim e ao cabo, tais atividades não consistem em fazer com que os jovens leiam, mas em fazê-Ios refletir sobre os diversos aspectos da escrita: organização da língua, história literária dos textos, es­trutura dos textos literários, etc. Todavia, quando os jovens não são ainda leitores (na nossa escola, é essa a situação da maior parte dos alunos), é difícil fazê-Ios se interessarem por atividades de metaleitura, além do que, se não leram os textos, o trabalho apresenta-se inteiramente inútil, resultando em desinteresse não só pelas atividades como pela própria leitura do texto, a qual lhes parecerá apenas um pretexto para realizar exercícios enfadonhos.
Parece, portanto, necessário motivá-Ios à leitura desses livros com atividades que tenham para os jovens uma finalidade imediata e não necessariamente esco­lar (por exemplo, que o aluno se reconheça como leitor, ou que veja nisso prazer, que encontre espaço para compartilhar suas impressões de leitura com os colegas e com os professores) e que tornem necessárias as práticas da leitura. Tais ativida­des evitariam que o jovem lesse unicamente porque a escola pede - o que é com freqüência visto como uma obrigação. Ele lerá então porque se sentirá motivado a fazer algo que deseja e, ao mesmo tempo, começará a construir um saber sobre o próprio gênero, a levantar hipóteses de leitura, a perceber a repetição e as limi­tações do que lê, os valores, as diferentes estratégias narrativas.
Os escritores pressupõem que seus leitores conhecem os gêneros e jogam com esse conhecimento. Os mundos de ficção que nos propõem são moldados em formas que (re)conhecemos facilmente: personagens, situações, cenários, intrigas, mo­dos de dizer, recursos, truques. Todo esse arsenal proporcionado pelos gêneros é utilizado para criar ou frustrar expectativas, para satisfazer e pacificar o leitor ou para surpreendê-lo e despertá-lo de velhos encantamentos, propondo-lhe ou­tros. Por isso mesmo, a familiaridade com os gêneros permite ao leitor apreciar a habilidade de um escritor, seu gênio composicional, as características e o rendimento particular de seu estilo. Sem isso, dificilmente se produz um verdadeiro encontro entre autor e leitor; dificilmente se estabelece um convívio amoroso. (RANGEL, 2003, p. 141-142).
Ora, trata-se, de início, de conquistar esse leitor vítima, que se deixará então capturar pela leitura, enredando-se na trama (no mais das vezes, não muito complexa) da história e criando uma familiaridade com os diferentes enredos, pois, como diz Wanderley Geraldi, não há leitura qualitativa no leitor de um livro só (1985, p. 87).
As escolhas anárquicas dos adolescentes fora da escola, além de permitir essa formação do gosto, levam a um conhecimento dos gêneros literários que deve ser considerado como base para a didática da literatura na escola e pode contribuir para o planejamento de atividades de reorientação de leitura, uma vez que a esco­la não é uma mera extensão da vida pública, mas tem uma especificidade.
Entretanto, parece que a escola tem sistematicamente desconsiderado essas práticas sociais de leitura, produzindo-se nela um fenômeno que contraria seus objetivos mais claros, isto é, obriga ao afastamento e à rejeição do aluno em rela­ção ao texto literário, "um veto à fruição na leitura e à formação do gosto literário, quando não têm representado, pura e simplesmente, um desserviço à formação do leitor..." (GERALDI, 1985, p.138). O ritmo de produção e de leitura é o da produção em massa, tão rápido e intenso quanto descartável: descobre-se o culpado e encerra-se a questão.


3.1.3 - Visão Sócio-Histórica da Língua
Da mesma forma, tais fatores, além de influenciar a maneira de o indivíduo realizar sua fala, também determinam o modo como ele irá perceber, avaliar e julgar a variação, assim como a sua própria fala.
O principal precursor dos estudos sociolingüísticos é o americano William Labov. Seu modelo de análise surge como uma reação à ausência do componente social no modelo gerativista. Seu primeiro estudo foi em 1963, sobre o inglês falado na ilha de Martha's Vineyard, Estado de Massachussets, EUA. A partir de então, vários outros estudos seguiram-­se, além de outros pesquisadores da área. No Brasil, por exemplo, há o estudo do português falado nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte.
Com isso, desenvolveram-se o estudo e o conhecimento das implicâncias que os fatores sociais/externos (tais como classe social, nível de escolaridade, sexo, idade, situação de formalidade x informalidade) têm na diversidade lingüística, e o quanto eles contribuem para a mudança (predominância de uma variante em detrimento de outra). Foi, portanto, a partir de Labov que se repensou a relação entre língua e sociedade percebendo-se a variação como um fenômeno geral e universal, presente em todas as línguas, passível de ser sistematizado.
Diante da diversidade e da mudança lingüística, para entender melhor o funcionamento de uma língua, é importante também que conheçamos a sua origem, sua história ao longo do tempo.
O fato de as línguas mudarem no tempo é um fator importante que também a Sociolingüística considera para validar a teoria da variação e defender o princípio de que não existe, de fato, uma variedade lingüística que seja intrinsecamente melhor ou mais pura que outra, como querem os gramáticos prescritivistas.
Com isso, é mais que fundamental que se conheça a história da nossa língua. Em virtude do período das navegações nos séculos XV e XVI, a língua portuguesa tornou-se um idioma presente na África, América, Ásia e Europa, sendo falada por mais de 200 milhões de pessoas. São cinco os períodos considerados:
Pré-românico;
Românico;
O galego-português;
O português arcaico;
O português moderno
Em Portugal, a colonização portuguesa começou pelo litoral, a partir de 1532, com a instituição das capitanias hereditárias. Nesse período, diversas comunidades da família Tupi e Guarani habitavam o litoral brasileiro entre a Bahia e o Rio de Janeiro. Para estabelecer contato com os nativos, os portugueses foram aprendendo os dialetos e idiomas indígenas. A partir do tupinambá, falado pelos grupos mais abertos ao contato com os colonizadores, criou-se uma língua geral comum a índios e não-índios. Ela tornou-se língua geral na colônia, paralelamente ao português, devido, sobretudo, aos jesuítas, que a estudaram e a documentaram para a catequização dos índios. Em 1595, o padre José de Anchieta registrou-a em sua Arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil. Essa língua geral derivada do tupinambá foi a primeira influência recebida pelo idioma dos portugueses no Brasil.
Após mais de dois séculos de predominância da língua dos nativos, a ascensão do português no país começa a se dar a partir da segunda metade do século XVIII. Em 17 de agosto de 1758, a Língua Portuguesa torna-se idioma oficial do Brasil, através de um decreto do Marquês de Pombal, que também proíbe o uso da língua geral. Tal medida foi possível porque, nesse ínterim, o tupi já estava sendo suplantado pelo português, em virtude da chegada de muitos imigrantes da metrópole. Com a expulsão dos jesuítas, em 1759, o português fixou-se definitivamente como o idioma do Brasil.
Segundo Dubois (1973, p.609), variação é o fenômeno no qual, na prática corrente, uma língua determinada não é jamais, numa época, num lugar e num grupo social dados, idêntica ao que ela é noutra época, em outro lugar e em outro grupo social. Ou seja, é perceber que a "língua é um organismo vivo", conforme já nos disse Saussure. Assim, uma variável lingüística é caracterizada como forma alternante de se transmitir um mesmo conteúdo.

Considerando, ainda, que a variação estilística é uma realidade da qual os falantes não podem escapar, o desempenho dos falantes em situações de diferentes graus de formalidade, permite a observação de diferenças na norma culta, em correspondência a diferentes graus de formalidade na elocução. Deve-se observar, ainda, que, considerando-­se que os falantes não escrevem como falam; a norma culta se desdobra em uma modalidade oral e uma modalidade escrita.
Na variação diafásica, pode-se estabelecer a hipótese de que o mesmo falante use as formas "andar" ou "andá", ''fazer'' ou ''fazê'', apagando parte de palavras quando está numa situação de bastante informalidade (por exemplo, numa conversa familiar), diferentemente do que muito provavelmente faria numa situação de maior formalidade - como em uma apresentação (FIORIN, 2002).
E síntese... Variação ou variantes lingüísticos são as variações que uma língua apresenta de acordo com as condições sociais, culturais, regionais e históricas em que é utilizada.
A Língua Portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades de dialetos. As pessoas são identificadas geográfica e socialmente pela forma como falam. Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes modos de falar: é muito comum se considerarem as variedades lingüísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas. É possível constatarmos isto na fala de Geraldi (1996) "a intolerância lingüística é um dos comportamentos sociais mais facilmente observáveis na sociedade".
A sociedade de que fazemos parte não valoriza as diferenças mostrando-se preconceituosa e atrasada. Este pensamento é reforçado por Gnerre (1985, p. 04) "uma variedade lingüística vale o que vale na sociedade os seus falantes".
O problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado na escola, como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito à diferença. Devemos levar em consideração o que é papel da escola e o que não é quando tratamos da fala dos alunos.
"Não é papel da escola ensinar o aluno a falar: isso é algo que a criança aprende muito antes da idade escolar. Talvez por isso, a escola não tenha tomado para si a tarefa de ensinar quaisquer usos e formas da língua oral. Quando o fez, foi de maneira inadequada: tentou corrigir a fala "errada" dos alunos, com a esperança de evitar que escrevem errado. Reforçou assim o preconceito contra aqueles que falam diferente da variedade prestigiada (PCN, 1997,p.48)".
Sendo assim, o desenvolvimento da capacidade oral do aluno depende consideravelmente de a escola construir-se num ambiente que respeite e acolha a vez e a voz, a diferença e a diversidade.
Paulo Freire (1988), numa manchete publicada pela Folha de São Paulo, atenta para o respeito que se deve dar à variedade lingüística na escola. Segundo ele "a linguagem da criança deve ser respeitada, o que não impede que ela aprenda a sintaxe dominante". Para isso, e também para poder ensinar Língua Portuguesa, a escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma "certa" de falar - a que se parece com a escrita - e o de que a escrita é o espelho da fala e sendo assim, seria preciso "consertar" a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. Essas duas crenças produziram uma prática de mutilação cultural que, além de desvalorizar a forma de falar do aluno, tratando sua comunidade como se fosse formada por incapazes, denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde inteiramente a nenhum de seus dialetos, por mais prestígio que um deles tenha em um dado momento histórico.
Para Labov (1963), "existem fatores como idade, sexo, ocupação, origem étnica e atitude que influenciam o comportamento lingüístico". Talvez isto justifique toda essa variedade de falas e como disse Saussure (apud JOALÉDE , 2005, p. 28) "a língua é um organismo vivo", assim, uma variável lingüística é caracterizada como forma alternante de se transmitir o mesmo conteúdo.
Segundo Paulo Freire (1988), "há a necessidade de mostrarmos aos nossos alunos o quanto sua linguagem é bonita e gostosa, mas ao mesmo tempo mostrarmos também a verdade sobre a importância de se conhecer a linguagem padrão". Para Fishman (1972, p.29) "cada grupo social estabelece um contínuo de situações representados pela formalidade e informalidade".
A questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar considerando as características do contexto de comunicação. Segundo camacho (1978,p. 17) "os falantes adequam suas formas de expressão às finalidades específicas do seu ato  enunciativo”.
Não se deve corrigir a forma de linguagem, mas sim a sua adequação às circunstâncias de uso, ou seja, a utilização eficaz da linguagem: falar bem é falar adequadamente, é produzir o efeito pretendido.
As instituições sociais fazem diferentes usos da linguagem, então, cabe à escola ensinar o aluno a utilizá-Ia nas mais diversas situações comunicativas, especialmente nas mais formais.
Sabe-se que todas as variedades lingüísticas são corretas, desde que cumpram com eficiência o papel fundamental de uma língua que é permitir a interação verbal entre as pessoas.
A linguagem pode ser formal/culta ou informal/popular. Entende-se por formal a linguagem elaborada mais de acordo com as normas gramaticais da língua, ela possui maior prestígio social, é a variedade lingüística ensinada na escola, utilizada na maior parte dos livros e revistas e também em textos científicos e didáticos, em alguns programas de televisão etc. Já por linguagem informal, entender-se que é a mais espontânea, com presença de gírias e expressões próprias da linguagem cotidiana, apresenta desvios em relação às normas gramaticais, por exemplo, no emprego dos pronomes, a mistura de pessoas verbais constitui um desvio em relação à gramática normativa.
A linguagem formal apresenta padrão lingüístico, maior prestígio social, é usada em situações de formalidade, é usada por falantes cultos, a sintaxe é mais complexa e a ligação com a gramática é maior do que é apresentada pela linguagem popular, que é menos prestigiada socialmente, é usada em situações menos formais, é usada por falantes do povo menos culto, o vocabulário é mais restrito, apresenta sub-padrão lingüístico etc.



3.1.4 - Perspectiva Sócio-Política e Cultural da Linguagem

O estudo das correlações entre linguagem, ideologia e poder têm por objetos de estudo diferentes manifestações culturais - literatura, narrativas, biografias, sermões, causos, canções, trovas entre outros - veiculadas por múltiplos suportes nas modalidades orais e escritas - livros, jornal, rádio, televisão, sermão e tertúlia em centros de tradição, rodas de canto, rodas de causo, igrejas entre outros - e seus contextos de produção históricos, sociais e políticos, com suas diferentes valorações sociais.
E não só a escrita não teria razão de ser. Na ausência da linguagem, certamente não teríamos como conservar nem mesmo o primeiro fogo que um homem desconhecido, numa data ignorada, roubou de um incêndio natural. Ninguém saberia dizer como esse fogo ancestral, pilhado de um incêndio, foi conservado como uma tocha olímpica varando a noite dos tempos. Ainda hoje, essa chama ancestral pode avivar fogueiras de aborígenes ou, até recentemente, ter sobrevivido no frio extremo da Sibéria.
A natureza do fogo, como a da linguagem, não permite que se possa obter dele um registro fossilizado. O que os arqueólogos encontram, com alguma freqüência, caso da Serra da Capivara, no Sul do Piauí, ou em Monte Verde, no Sudeste do Chile, são restos de fogueiras antigas. Mas esse é um outro achado, onde o fogo se extinguiu ou de onde foi retirado. São ocorrências próximas, o que não significa que sejam a mesma coisa.
Da mesma forma que o fogo, todo ele emanado de um fogo só, que um dia acendeu o Universo ao manifestar-se com sua natureza dupla de matéria/energia, a linguagem deve ter emanado de uma fonte única: o homem.
Os estudos sobre a comunicação intercultural vêm buscando uma resposta para a dúvida de como as pessoas conseguem compreender umas às outras, quando não possuem as mesmas experiências culturais. Aspectos relevantes de uma cultura podem facilitar o aprimoramento da competência intercultural de um falante, já que somente a aprendizagem de estruturas lingüísticas não é sinônimo de sucesso para essa compreensão.
A cultura norte-americana, por exemplo, é marcada por uma diretividade no tratamento interpessoal. Eles são informais, espontâneos e usam o mesmo tipo de tratamento com diferentes pessoas. Para os americanos, ser formal é fazer uso de complexos métodos de tratamento e rituais, que são encontrados em outras culturas, refletindo a respectiva sociedade, como a japonesa (Stewart & Bennett, 1991). Contudo, quando comparados aos brasileiros, eles são mais distantes em seus eventos comunicativos.
Percebe-se, diante dessa breve comparação, que língua e cultura são dois instrumentos inseparáveis. A língua é um instrumento vivo e constantemente em desenvolvimento. Diariamente, ela sofre influência da cultura, da política e da sociedade, seja na escrita ou na fala, "(...) dificilmente língua e cultura podem ser separadas. Consideramos que a língua é um dos sistemas de expressão de uma cultura e que diferentes línguas apresentam preferências que são influenciadas pela cultura" (Grabe & Kaplan, 1989, apud Oliveira, 2000, p. 50)
Esta afirmação é claramente observada na língua falada, que não pode ser controlada como a língua escrita. Não é a língua que determina o comportamento de seus falantes, mas exatamente o contrário, ou seja, esse comportamento é que pode influenciar o uso dela.
A aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996, definiu os novos princípios legais e pedagógicos, fomentando uma reflexão sobre o currículo, a organização e gestão das diferentes instituições de ensino da educação brasileira. Nesse contexto surgiram os Parâmetros Curriculares Nacionais e a nova Reorientação Curricular para o Ensino Médio e Fundamental 2° Segmento da Secretaria Estadual de Educação cujos princípios pedagógicos e filosóficos norteiam nossa prática educativa e proposta curricular.
Assim, levando-se em conta a mudança da realidade educacional em que estamos inseridos, é preciso reverter a hegemonia de certos procedimentos pedagógico/culturais que embasam currículos, ementas e programas de Letras em nosso país, observando-se a necessidade de fomentar a educação escolar não como justaposição de etapas fragmentadas, mas em perspectiva de continuidade.
Assim, a relação dialógica entre a Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio permite a todo cidadão - criança, jovem, adulto - a oportunidade e o desenvolvimento de capacidades ao longo da vida mediatizadas pela escola. As discussões realizadas devem se pautar pela demarcação da referencialidade, conforme expõe Danilo Gandin:
Compreender-se como integrante de uma realidade mais ampla;
Projeção de uma proposta sócio-política;
Realização de um processo técnico específico do campo de ação.
As discussões conjuntas nos auxiliam na compreensão do processo da ação educativa, permitindo-nos criar estratégias, no âmbito de nossa competência, para tentar reverter o quadro caótico que se apresenta: um enfoque mais preciso nas competências a serem desenvolvidas na Educação Básica, de forma que os conteúdos curriculares constituam meios reais para o desenvolvimento das capacidades: flexibilização, descentralização e autonomia da escola associadas à permanente tarefa pedagógica como um todo.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais indicam, como eixos norteadores de uma educação de qualidade, que o educando desenvolva competências e habilidades ao final de cada etapa de escolarização, sendo capaz de:
Compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito;
Posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas;
Conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional;
Conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, assim como de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação;
Perceber-se integrante, dependente e agente transformador do ambiente;
Conhecer o próprio corpo e dele cuidar, valorizando e adotando hábitos saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida, fomentando a saúde coletiva;
Utilizar as diferentes linguagens, fontes de informação e recursos tecnológicos como meio para produzir, expressar e comunicar idéias, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação;
Questionar a realidade, utilizando o pensamento lógico, a criatividade, a análise crítica.
Cada uma dessas competências caracteriza o uso da Língua e da Linguagem como um meio de emancipação do sujeito, estando este, inserido em um contexto social, político, econômico e cultural. Assim, o mesmo poderá agir de forma critica, criativa e autônoma diante das situações por ele vivenciadas de modo a contribuir ativamente com as transformações da sociedade.
A emergência de dispositivos legais e orientações curriculares que constituíram as Políticas Públicas Educacionais, na década de 1990, voltadas para práticas pedagógicas de cariz multicultural, sobretudo aquelas que dizem respeito aos afro-descendentes, contribuíram para estabelecer novos enfoques para a dinâmica educacional brasileira.
Tais enfoques têm como pressupostos básicos o respeito à diversidade buscando a "superação de mecanismos que exclui e segrega o 'outro' que possui identidades sociais diferenciadas e não correspondentes à normalidade do 'sujeito do iluminismo' caracterizado, sobretudo por ser branco, cristão, europeu e heterossexual" (SILVA, 2004:13). Apreender os potenciais de inclusão da cultura negra nas políticas educacionais brasileiras e sua materialização no cotidiano escolar é o que se propõe este trabalho.        
Portanto, o arcabouço jurídico-normativo e as relações raciais na escola configuraram como variáveis destacadas nestas análises, por meio das seguintes inquietações que permearam essa pesquisa puderam ser manifestadas por meio das seguintes indagações: quais as mediações e nexos entre as Políticas Públicas Educacionais implementadas na década de 1990 que procuram dar ênfase à questão negra e o currículo escolar? Qual o enfoque do multiculturalismo predominante nas políticas educacionais e como se materializam na escola?
Estudos questionam como o ambiente multiétnico formador da escola brasileira tem passado desapercebido por suas práticas cotidianas. Percebe-se a emergência de vários debates sobre a importância do currículo enquanto um dispositivo pedagógico de organização da dinâmica escolar e sobre como esse dispositivo seletivo tem ignorado a diversidade e priorizado suas características hegemônicas e igualitárias, herdadas de conceitos de verdade das metanarrativas da modernidade.
A idéia de Brasil como país monolíngüe ainda é extremamente veiculada, seja pela escola, seja pelas instituições sociais, políticas ou religiosas, seja pela mídia. A aceitação de um Brasil monolíngüe gera um grave problema, "pois na medida em que não se reconhecem os problemas de comunicação entre falantes de diferentes variedades da língua, nada se faz também para resolvê-Ios" (Bortoni..Hicardo, 1984). Paradoxalmente, com tantas referências aos povos indígenas na imprensa devido à comemoração dos "500 anos de Brasil", ainda nos esquecemos das línguas indígenas. Também não levamos em conta as variantes do português em contato com idiomas estrangeiros nas colônias de imigrantes.
 Por fim, não são consideradas todas as variantes lingüísticas do português, sejam regionais ou sociais. Ainda dá status falar "corretamente", na idéia ingênua de que a língua dita culta é uma ponte para a ascensão social. Quem não domina a variante padrão é marginalizado/a e ridicularizado/a: na hora de preencher uma vaga profissional, num concurso vestibular, numa situação de conferência, na escola. Esse variante padrão, no entanto, é reservada a uma ínfima parte da população brasileira (a mesma que detém o poder econômico e político). Não é difícil perceber que o modo de falar "correto" é aquele dessa elite e que o modo "errado" é vinculado a grupos de desprestígio social.
Conforme Marcos Bagno (1999) há, no Brasil, uma "mitologia" do preconceito lingüístico, que prejudica toda a nossa educação e nossa formação enquanto cidadãos para além de um termo teórico. Bagno enumera oito mitos que, no conjunto, servem para solidificar e transmitir a visão (essa sim, errada) de que o Brasil apresenta uma unidade lingüística e que são os/as brasileiros/as que não sabem falar português corretamente (portanto, não há dialetos, variantes, mas sim deformações do português).
Do ponto de vista científico, tais afirmações chegam a ser ridículas e só conseguimos defendê-Ias a partir de argumentos como: "é certo falar/escrever assim porque assim ensina a Gramática", "é correto isso porque em Portugal se faz dessa maneira", "essa forma é feia, não soa bem, não é de bom tom". A eleição de uma variedade "culta", padrão tem a ver com causas políticas e históricas, não lingüísticas. Ao estudar com seriedade e sem preconceitos a língua, o que percebemos é que todas as variantes são "corretas", que todos sabem gramática e que há regularidades no que se convencionou chamar de "erro" gramatical.
Outro equívoco que contribui para a disseminação do preconceito lingüístico é restringir à gramática o ensino da língua. Cada vez mais acredita-se que o domínio da gramática normativa garante leitores/escritores críticos e ativos. Essa falsa noção é largamente difundida, tanto na escola, como em inúmeros manuais "inovadores", colunas de jornais e programas de rádio e televisão. Não é preciso muita investigação científica para desmistificar tal noção. Ao descrever seu objeto de estudo, os gramáticos têm a falsa idéia de que o compreenderam. Exclui-se, dessa forma, todas as variáveis que interpelam a linguagem e a constituem (fatores biológicos, sociais, históricos, políticos, culturais, afetivos etc.).
O preconceito lingüístico acaba sendo mais uma arma daqueles que mantêm o poder em suas mãos. A marginalização lingüística restringe o acesso a documentos vitais ao cidadão, como a constituição e os contratos. A cidadã ou o cidadão que não domina a variedade padrão está privado de seus direitos (será que podemos, então, considerá-Ia/o como cidadã/o?).
Baseando-se nesta realidade detectada, a Lei 10.639/03 surgiu para levar as escolas a inserir nos conteúdos curriculares a História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e a importância do negro na formação da sociedade brasileira, principalmente nas áreas de História do Brasil, Literatura e Educação Artística.
Porém, para que isso se torne realidade, é necessário preparar os professores para ministrar estes conteúdos e é isso que este curso propõe.
O momento do planejamento escolar necessita trazer à tona uma discussão de extrema relevância: a educação e a diversidade étnico-racial. O Brasil, por ser um país multirracial com uma grande diversidade de culturas, deve atentar para um esforço coletivo em torno de uma coesão social e no reconhecimento de todas as culturas que aqui estão como legítimas, diferentes e iguais perante a lei.
Esse esforço coletivo deve começar dentro da sala de aula, levando os alunos a perceberem como é importante conviver com as diferenças, sem hierarquizá-Ias, reconhecendo que a cultura brasileira é fruto da contribuição de diversos grupos. Trabalhar a interculturalidade e mostrar como a diversidade cultural tem contribuído para a formação de nossa sociedade é um importante passo para demonstrar que há integração. Assim, o conteúdo programático proposto nestes documentos inclui o estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional. Os conteúdos devem ser ministrados, em especial, nas áreas de Educação Artística, Literatura e História.
É importante ressaltar que a legislação acima citada não fala da inclusão de uma disciplina, mas segundo o próprio Parecer "trata, ele, de política curricular, fundamentada em dimensões históricas, sociais, antropológicas oriundas da realidade brasileira, e busca combater o racismo e as discriminações que atingem particularmente os negros".
Nesta perspectiva, propõe a divulgação e produção de conhecimentos, a formação de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial - descendentes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos - para interagirem na construção de uma nação democrática, em que todos igualmente, tenham seus direitos garantidos e sua identidade valorizada".
É necessário, portanto, planejar atividades educativas e pedagógicas que busquem enfrentar a questão da discriminação, contribuindo na construção de uma outra perspectiva que enfrente e acolha as diferenças e diversidades e assim, avançar na discussão de um projeto pedagógico que incorpore, reconheça e valorize a presença africana na construção de nossa nação.
           


3.1.5 - Literatura e Expressões Identitárias

Woodward (2003, p.13) afirma que, "com freqüência, a identidade envolve reivindicações essencialistas sobre quem pertence e quem não pertence a um determinado grupo identitário, nas quais a identidade é vista como fixa e imutável".
O sentimento de pertencimento e permanência é o pressuposto básico para a construção da identidade individual, ao se referir aos grupos a que pretende fazer parte. No entanto, ver a identidade como fixa e imutável corresponde apenas a uma estratégia para tentar formar nas consciências a sensação de homogeneidade que, na verdade, não corresponde mais ao conceito pós-moderno de identidade, devido aos processos de hibridização cultural.
As identidades estão em constante processo de formação a depender dos fatores sociais que agem sobre os indivíduos. Daí a concepção do termo "identificação", uma vez que, à medida que esses fatores - 'as interpelações dos sistemas culturais' - se apresentam, as pessoas se iden­tificam de acordo com cada circunstância. Os processos que desencadeiam as identificações são múltiplos e por isso geram uma dinâmica favorável a não fixação permanente das identidades.
A identidade, de acordo com sua concepção pós-moderna e enquanto resultado das atri­buições culturais, é vista como uma manifestação muito mais flexível, uma vez que tem sido mais difícil a tarefa de se situar num ambiente mediado e formado por uma constante hibridização cultural (Canclini, 2003).
Os sujeitos passam a assumir diversas identidades que não existem mais como algo unifica­do, mas que respondem a momentos específicos e a contextos diversificados. Daí a necessidade de se formular estratégias que permitam que, mesmo com a hibridização das culturas e formação múltipla das identidades, sejam construídos aspectos que reúnam os indivíduos em categorias de acordo com algumas características comuns ao grupo e que permitam que esses se sintam como parte de um todo. Deve-se encontrar, portanto, formas de se costurar as diferenças decorrentes das várias identificações, a fim de constituir uma certa homogeneidade capaz de classificar os indivíduos segundo particularidades que os definam.
Para Hall, uma forma de unificá-Ias tem sido a de representá-Ias como a expressão da cultura subjacente de 'um único povo'. A etnia é o termo que utilizamos para nos referirmos às características culturais - língua, religião, costume, tradições, sentimento de 'lugar' - que são par­tilhados por um povo (2005, p. 62).
Essas classificações acerca das caracterizações do povo são fundamentais para gerar um agrupamento em torno dos mesmos aspectos culturais que promoverão as impressões de homo­geneidade. A unicidade mostra-se aí como uma marca que reúne os requisitos que cada indivíduo deve conter para que nasça a sensação de pertencimento.
Perceber a identidade como processo que emerge de atributos culturais é crucial, portanto, para a compreensão do papel que as representações têm na edificação dos sentidos que compõem as identidades. Assim, é possível dizer que só a partir da representação será possível conceituar a identidade nacional explicando a sua importância nas sociedades contemporâneas, nos domínios cultural e social.
Nesse contexto, a cultura, enquanto expressão da produção de bens simbólicos que defi­nem as identidades surge como uma síntese de representações capazes de produzir as identifica­ções dos sujeitos com o meio no qual está inserido.
Dessa forma, a literatura adquire o status de representação identitária cujo funcionamento age como fonte de significados e suscita a abordagem dos aspectos culturais da sociedade a que se refere. A partir dessa abordagem pode-se inferir que a construção de traços característicos que compõem as identidades são provenientes das representações que abarcam e sintetizam os elementos da cultura.
A representação literária estudada, por exemplo, apresenta o potencial de retratar com gran­de riqueza os aspectos da cultura regional, permitindo que a identidade seja consolidada a partir de sua dimensão local.
Mas de que forma a literatura se constrói como uma força identitária? Antes que se perceba imerso numa cultura universal, na qual se experimenta um contato mais íntimo com outros ambientes culturais, o sujeito precisa se centrar num contexto local para encontrar os referenciais que interferem de forma mais contundente na sua individualidade: "Ter uma identidade seria, antes de mais nada, ter um país, uma cidade ou um bairro, uma entidade em que tudo o que é compartilhado pelos que habitam esse lugar se tornasse idêntico ou intercam­biável" (Canclini, 2003, p. 190).



3.1.6 - As Tecnologias de Informação e Comunicação no processo de formação do professor de Línguas.

As rápidas e ininterruptas transformações nas concepções de ciência aliadas à vertiginosa evolução e utilização das tecnologias trazem novos e complexos desafios à educação e a seus profissionais, evidenciando a necessidade de formação continuada e ao longo da vida, utilizando para tanto todos os meios e recursos disponíveis.
A Internet, as redes, o celular, a multimídia estão revolucionando nossa vida no cotidiano. Cada vez resolvemos mais problemas conectados, a distância. Na educação, porém, sempre colocamos dificuldades para a mudança, sempre achamos justificativas para a inércia ou vamos mudando mais os equipamentos do que os procedimentos. A educação de milhões de pessoas não pode ser mantida na prisão, na asfixia e na monotonia em que se encontra. Está muito engessada, previsível, cansativa.
As tecnologias são só apoio, meios. Mas elas nos permitem realizar atividades de aprendizagem de formas diferentes às de antes. Podemos aprender estando  juntos em lugares distantes, sem precisamos estar sempre juntos numa sala para que isso aconteça.
Muitos expressam seu receio de que o virtual e as atividades à distância sejam um pretexto para baixar o nível de ensino, para aligeirar a aprendizagem. Tudo depende de como for feito. A qualidade não acontece só por estarmos juntos num mesmo lugar, mas por estabelecermos ações que facilitem a aprendizagem. A escola continua sendo uma referência importante. Ir até ela ajuda a definir uma situação oficial de aprendiz, a conhecer outros colegas, a aprender a conviver. Mas, pela inércia diante de tantas mudanças sociais, ela está se convertendo em um lugar de confinamento, retrógrado e pouco estimulante.
O conviver virtual vai tornar-se quase tão importante como o conviver presenciaI. A escola precisa de uma sacudida, de um choque, de arejamento. Isso se consegue com uma gestão administrativa e pedagógica mais flexível, com tempos e espaços menos predeterminados, com modos de acesso a pesquisa e de desenvolvimento de atividades mais dinâmicas.
Passando pelos corredores das salas das universidades, o que se vê é quase sempre uma pessoa falando e uma classe cheia de alunos semi-atentos (na melhor das hipóteses). A infra­-estrutura é deprimente. Salas barulhentas, a voz do professor mal chega aos que estão mais distantes. Conseguir um datashow na maioria delas é uma tarefa inglória. Muitas vezes existe um único equipamento para um prédio inteiro.
É hora de partir para soluções mais adequadas para o aluno de hoje. Os adultos mantemos o status quo, em nome da qualidade, mas na verdade nos apavoramos diante da mudança, do risco do fracasso. Mas o fracasso não está bem na nossa frente? Quantos alunos iriam a nossas aulas se não fossem obrigados? Há maior fracasso do que este?
A escola pode ser um espaço de inovação, de experimentação saudável de novos caminhos. Não precisamos romper com tudo, mas implementar mudanças e supervisioná-Ias com equilíbrio e maturidade.
Manter o currículo e as normas, tal como estão, na prática é insustentável. As secretarias de educação precisam ser mais proativas e incentivar mudanças, flexibilização, criatividade.
Professores, alunos e administradores podem avançar muito mais em organizar currículos mais flexíveis, aulas diferentes. A rotina, a repetição, a previsibilidade é uma arma letal para a aprendizagem. A monotonia da repetição esteriliza a motivação dos alunos.
São muitos os recursos a nossa disposição para aprender e para ensinar. A chegada da Internet, dos programas que gerenciam grupos e possibilitam a publicação de materiais estão trazendo possibilidades inimagináveis vinte anos atrás. A resposta dada até agora ainda é muito tímida, deixada a critério de cada professor, sem uma política institucional mais ousada, corajosa, incentivadora de mudanças. Está mais do que na hora de evoluir, modificar nossas propostas, aprender fazendo.
Hoje obrigamos os alunos a ir a um local para aprender. Em determinados momentos isso é um contra-senso. O importante é que gostem de aprender de várias formas, motivados, utilizando as potencialidades de estar juntos e de estar em rede. Os alunos gostam da comunicação online, da pesquisa instantânea, de tudo o que acontece just in time, naquele momento. As salas de aula precisam estar equipadas com acesso a Internet para mostrar rapidamente o resultado de uma pesquisa em tempo real na sala. Os alunos necessitam de mais laboratórios conectados, principalmente os mais carentes, sem esse acesso em casa.
Todos os que estão envolvidos em educação precisam conversar, planejar e executar ações pedagógicas inovadoras, com a devida cautela, aos poucos, mas firmes e sinalizando mudanças. Sempre haverá professores que não querem mudar, mas uma grande parte deles está esperando novos caminhos, o que vale a pena fazer. Se não os experimentamos, como vamos aprender?
Não basta tentar remendos com as atuais tecnologias. Temos quer fazer muitas coisas diferentemente. É hora de mudar de verdade e vale a pena fazê-Ia logo, chamando os que estão dispostos, incentivando-os de todas as formas - entre elas a financeira - dando tempo para que as experiências se consolidem e avaliando com equilíbrio o que está dando certo. Precisamos trocar experiências, propostas, resultados.
O uso da tecnologia de informação e comunicação (TIC) na escola carrega em si mesmo as contradições da sociedade contemporânea. De um lado, dados do IBGE (1999) apontam 13,3% de analfabetos com idade de 15 ou mais anos e média de 5,7 anos de estudos para pessoas de 10 ou mais anos de idade. Ressalta-se, ainda, a preocupação com os altos índices de analfabetos funcionais, considerados pelo IBGE como as pessoas que não completaram as quatro primeiras séries do Ensino Fundamental. Por outro lado, o mundo digital invade nossas vidas e torna-se imperioso inserir-se na sociedade do conhecimento. Como superar essa contradição? Como participar da sociedade do conhecimento e, ao mesmo tempo, ajudar a diminuir esses índices que nos deixam abaixo de diversos países, inclusive os da América Latina?
Como criar redes de conhecimentos? O que significa aprender quando se trabalha com redes de conhecimentos? Como inserir o uso de redes de conhecimentos na escola? O que cabe ao educador nessa criação?
A metáfora de rede considera o conhecimento como uma construção decorrente das interações do homem com o meio. À medida que o homem interage com o contexto e com os objetos aí existentes, ele atua sobre esses objetos, retira informações que lhe são significativas, identifica esses objetos e os incorpora à sua rede, transfor­mando o meio e sendo transformado por ele.
O uso da TIC na criação de rede de conhecimentos traz subjacente a provisoriedade e a transitoriedade do conhecimento, cujos conceitos articulados constituem os nós dessa rede, flexível e sempre aberta a novas conexões, as quais favorecem compreender "problemas globais e fundamentais para neles inserir os conheci­mentos parciais e locais" (Morin, 2000, p. 14).
Com o uso da TIC e da Internet, pode-se navegar livremente pelos hipertextos de forma não seqüencial, sem uma trajetória predefinida, estabelecer múltiplas conexões, tornar-se mais participativo, comunicativo e criativo, libertar-se da distribuição homogênea de informações e assumir a comunicação multidirecional com vistas a tecer a própria rede de conhecimentos.
As conexões dessa rede surgem sem determinações precisas, incorporam o acaso, a indeterminação, a diversidade, a ambigüidade e a incerteza (Morin, 1996). Trata-se de uma constante abertura a novas interações, desafio de apreender a realidade em sua complexidade, em busca de compreender as múltiplas dimensões das situações que são enfrentadas, estabelecer vínculos (ligações) entre essas dimensões, conectá-Ias com o que já conhece (nós), representá-Ias, ampliá-Ias e transformá-Ias tendo em vista melhorar a qualidade de vida.
Na rede, aprender é descobrir significados, elaborar novas sínteses e criar elos (nós e ligações) entre parte e todo, unidade e diversidade, razão e emoção, individual e global, advindos da investigação sobre dúvidas temporárias, cuja compreensão leva ao levantamento de certezas provisórias ou a novos questionamentos (Fagundes, 1999) relacionados com a realidade.
O homem apreende a realidade por meio de uma rede de colaboração na qual cada ser ajuda o outro a denvolver-se, ao mesmo tempo que também se desenvolve. Todos aprendem juntos e em colaboração. "Nin­guém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão,   mediatizados pelo mundo" (Freire, 1993, p. 9)
Aprender em um processo colaborativo é planejar; desenvolver ações; receber, selecionar e enviar informes: estabelecer conexões; refletir sobre o processo em desenvolvimento em conjunto com os pares; desenvol­ver a interaprendizagem, a competência de resolver problemas em grupo e a autonomia em relação à busca e ao fazer por si mesmo (Silva, 2000). As informações são selecionadas, organizadas e contextualizadas segundo as necessidades e os interesses momentâneos do grupo, permitindo estabelecer múltiplas e mútuas relações, atribuindo-Ihes um novo sentido, que ultrapassa a compreensão individual.
O grupo que trabalha em colaboração é autor e condutor do processo de interação e criação. Cada membro desse grupo é responsável pela própria aprendizagem e co-responsável pelo desenvolvimento do grupo.
Por meio de interações favorecidas pela TIC, cada participante do grupo confronta sua unidade de pensa­mento com a universalidade grupal, navega entre informações para estabelecer ligações com conhecimentos já adquiridos, comunica a forma como pensa, coloca-se aberto para compreender o pensamento do outro e, sobre­tudo, participa de um processo de construção colaborativo, cujos produtos decorrem da representação hipertextual, comunicação, conexão de idéias no computador, levantamento e teste de hipóteses, reflexões e depurações.
Nessa abordagem, a educação é concebida como um sistema aberto, "com mecanismos de participação e descentralização flexíveis, com regras de controle discutidas pela comunidade e decisões tomadas por grupos interdisciplinares" (Moraes, 1997, p. 68)
Assim, as interações entre as pessoas que se envolvem na criação dos nós de suas redes de conhecimento propiciam as trocas individuais e a constituição de grupos que interagem, pesquisam e criam produtos ao mesmo tempo que se desenvolvem. Cada ser retira do hipertexto as informações que lhe são mais pertinentes, internaliza-as, apropria-se delas e transforma-as em uma nova representação hipertextual; ao mesmo tempo que se transforma, volta a agir no grupo transformado-se e transformando o grupo.
Redefine-se o papel do professor: "mais do que ensinar, trata-se de fazer aprender (...), concentrando-se na criação, na gestão e na regulação das situações de aprendizagem" (Perrenoud, 2000, p. 139), cuja mediação propicia a aprendizagem significativa aos grupos e a cada aluno. Dessa forma, pode-se mobilizar os alunos para a investigação e a problematização, alicerçados no desenvolvimento de projetos, na solução de problemas, nas reflexões individuais e coletivas, nos quais a interação e a colaboração subsidiam a representação hipertextual do conhecimento.
Ensinar é organizar situações de aprendizagem, criando condições que favoreçam a compreensão da complexi­dade do mundo, do contexto, do grupo, do ser humano e da própria identidade. Diz respeito a levantar ou incentivar a identificação de temas ou problemas de investigação, discutir sua importância, possibilitar a articulação entre diferentes pontos de vista, reconhecer distintos caminhos a seguir na busca de sua compreensão ou solução, negociar redefinições, incentivar a busca de distintas fontes de informações ou fornecer informações relevantes, favorecer a elaboração de conteúdos e a formalização de conceitos que propiciem a aprendizagem significativa.
Criar ambientes de aprendizagem com a presença da TIC significa utilizá-Ia para a representação, a articula­ção entre pensamentos, a realização de ações, o desenvolvimento de reflexões que questionam constantemente as ações e as submetem a uma avaliação contínua.
O professor que associa a TIC aos métodos ativos de aprendizagem desenvolve a habilidade técnica relaci­onada ao domínio da tecnologia e, sobretudo, articula esse domínio com a prática pedagógica e com as teorias educacionais que o auxiliem a refletir sobre a própria prática e a transformá-Ia, visando explorar as potencialidades pedagógicas da TIC em relação à aprendizagem e à conseqüente constituição de redes de conhecimentos.
A aprendizagem é um processo de construção do aluno - autor de sua aprendizagem -, mas nesse processo o professor, além de criar ambientes que favoreçam a participação, a comunicação, a interação e o confronto de idéias dos alunos, também tem sua autoria. Cabe ao professor promover o desenvolvimento de atividades que provoquem o envolvimento e a livre participação do aluno, assim como a interação que gera a co-autoria e a articulação entre informações e conhecimentos, com vistas a construir novos conhecimentos que levem à compreensão do mundo e à atuação crítica no contexto.
O professor atua como mediador, facilitador, incentivador, desafiador, investigador do conhecimento, da própria prática e da aprendizagem individual e grupal. Ao mesmo tempo em que exerce sua autoria, o professor coloca-se como parceiro dos alunos, respeita-lhes o estilo de trabalho, a co-autoria e os caminhos adotados em seu processo evolutivo. Os alunos constroem o conhecimento por meio da exploração, da navegação, da comu­nicação, da troca, da representação, da criação/recriação, organização/ reorganização, ligação/religação, trans­formação e elaboração/reelaboração.
A incorporação da TIC na escola favorece a criação de redes individuais de significados e a constituição de uma comunidade de aprendizagem que cria sua própria rede virtual de interação e colaboração, caracterizada por avanços e recuos num movimento não linear de interconexões em um espaço complexo, que conduz ao desenvol­vimento humano, educacional, social e cultural.
O movimento produzido pelo pensar em redes de conhecimento propicia ultrapassar as paredes da sala de aula e os muros da escola, rompendo com as amarras do estoque de informações contidas nas grades de programação de conteúdo. Dessa forma, parcela significativa desse contingente de analfabetos (de fato ou funcionais) poderá desenvolver a capacidade de utilizar a TIC na criação de suas redes de conhecimento, superando um grande obstáculo para a construção de uma sociedade mais justa, ética e humanitária.
Para incorporar a TIC na escola, é preciso ousar, vencer desafios, articular saberes, tecer continuamente a rede, criando e desatando novos nós conceituais que se inter-relacionam com a integração de diferentes tecnologias, com a linguagem hipermídia, as teorias educacionais, a aprendizagem do aluno, a prática do educa­dor e a construção da mudança em sua prática, na escola e na sociedade. Essa mudança torna-se possível ao propiciar ao educador o domínio da TIC e o uso desta para inserir-se no contexto e no mundo, representar, interagir, refletir, compreender e atuar na melhoria de processos e produções, transformando-se e transformando-os.
Na perspectiva da interatividade, o professor pode deixar de ser um transmissor de saberes para converter-se em formulador de problemas, provocador de interrogações, coordenador de equipes de trabalho, sistematizador de experiências e memória viva de uma educação que, em lugar de prender-se à transmissão, valoriza e possibilita o diálogo e a colaboração. Os fundamentos da interatividade podem ser encontrados em sua complexidade nas disposições da mídia on-line. São três basicamente: a) participação - intervenção: participar não é apenas responder "sim" ou "não" ou escolher uma opção dada, significa modificar a mensagem; b) bidirecionalidade - hibridação: a comunicação é produção conjunta da emissão e da recepção, é co-criação, os dois pólos codificam e decodificam: c) permutabilidade - potencialidade: a comunicação supõe múltiplas redes articulatórias de conexões e liberdade de trocas, associações e significações (cf. Silva, 2003, p. 100-155).
Esses fundamentos revelam o sentido não banalizado da interatividade e inspiram o rompimento com o falar-ditar do mestre. Eles podem modificar o modelo da transmissão abrindo espaço para o exercício da participação genuína, isto é, participação sensório-corporal e semântica e não apenas mecânica.
Interatividade é a modalidade comunicacional que ganha centralidade na cibercultura. Exprime a disponibilização consciente de um mais comunicacional de modo expressamente complexo presente na mensa­gem e previsto pelo emissor, que abre ao receptor possibilidades de responder ao sistema de expressão e de dialogar com ele. Representa um grande salto qualitativo em relação ao modo de comunicação de massa que prevaleceu até o final do século xx. O modo de comunicação interativa ameaça a lógica unívoca da mídia de massa, oxalá como superação do constrangimento da recepção passiva.
Na cibercultura, ocorre a transição da lógica da distribuição (transmissão) para a lógica da comunicação (interatividade). Isso significa modificação radical no esquema clássico da informação baseado na ligação unilateral emissor - mensagem - receptor: a) o emissor não emite mais, no sentido que se entende habitual­mente, uma mensagem fechada, oferece um leque de elementos e possibilidades à manipulação do receptor; b) a mensagem não é mais "emitida", não é mais um mundo fechado, paralisado, imutável, intocável, sagrado, é um mundo aberto, modificável na medida em que responde às solicitações daquele que a consulta; c) o receptor não está mais em posição de recepção clássica, é convidado à livre criação, e a mensagem ganha sentido sob sua intervenção.
A Revolução Industrial evoluiu para a revolução tecnológica, que traz contribuições significativas para a humanidade. Acredita-se que o grande avanço da era tecnológica foi provocar a geração da rede informatizada. Assim, a era da informação passa a permitir o contato rápido entre as pessoas e auxilia significativamente o movimento de globalização. Se por um lado essa revolução trouxe processos de avanço e desenvolvimento, por outro apresentou a tecnologia num sistema capitalista, que levou à massificação e a um comprometimento da visão de homem e da visão de mundo. A educação, em todos os níveis de ensino e de modalidades, ainda está fortemente impregnada do pensamento conservador newtoniano-cartesiano, demorando a absorver as mudan­ças geradas pela revolução tecnológica. Grande número de professores apresenta a tecnologia como a utilização de técnica pela técnica, na busca da eficiência e da eficácia, das verdades absolutas e inquestionáveis e das evidências concretas. Nesse processo, a sociedade capitalista, com uma visão racionalista e positivista, tem permitido o acirramento das desigualdades sociais. No dizer de Cardoso (1995), o paradigma cartesiano, ainda presente em muitas das atitudes da humanidade, levou ao "culto do intelecto e o exílio do coração".
Com o advento da sociedade do conhecimento, nas últimas décadas do século XX, a exigência da superação da reprodução para a produção do conhecimento instiga a buscar novas fontes de investigação, tanto na literatura quanto na rede informatizada. A sociedade do conhecimento, na "Era das Relações" (Moraes,1997), com a globalização, passa a exigir conexões, parcerias, trabalho conjunto e inter-relações, no sentido de ultrapas­sar a fragmentação e a divisão em todas as áreas do conhecimento. Nesse processo, a tecnologia precisa tornar-se um instrumento a serviço do bem-estar da humanidade. Com esse desafio imposto, o importante papel reser­vado para a educação tecnológica é o trabalho para a formação da cidadania, que leve em consideração a oferta de requisitos básicos para viver numa sociedade em transformação e prepare um cidadão responsável e ético para enfrentar os novos impactos tecnológicos (Grinspum, 1999).
Nesse contexto de mudança paradigmática, as universidades, seus gestores e seus professores precisam refletir sobre as reais necessidades que os alunos irão enfrentar em suas profissões e em suas vidas. A sociedade do conhecimento vem trazendo novos enfrentamentos para a população, pois as exigências na formação de cada área profissional tendem a mudar, e o aluno precisa estar preparado para essas transformações. Portanto, a formação deve contemplar um espaço aberto para o diálogo, para a busca incessante do novo, do desejo de pesquisar e tornar-se autônomo e produtivo.
Nesse movimento de inovação, o professor, como intelectual transformador (Giroux, 1997), precisa tornar-se um investigador crítico e reflexivo para ser criativo, articulador e, principalmente, parceiro de seus alunos no processo de aprendizagem. Nessa nova visão, o docente precisa mudar o foco do ensinar e passar a preocupar-­se com o aprender e, em especial, o "aprender a aprender", abrindo caminhos coletivos de busca que subsidiem a produção do conhecimento do seu aluno. Por sua vez, o aluno precisa ultrapassar o papel passivo de repetidor fiel dos ensinamentos do professor e tomar-se criativo, crítico, pesquisador e atuante para produzir conhecimen­to e transformar a realidade (Behrens, 2000).
O paradigma conservador era baseado na transmissão do professor, na memorização dos alunos e numa aprendizagem competitiva e individualista. O grande encontro da era oral, escrita e digital (Lévy, 1999), na sociedade da informação, enseja uma prática docente assentada na produção individual e coletiva do conheci­mento. Acredita-se que os processos interativos de comunicação, colaboração e criatividade são indispensáveis ao novo profissional esperado para atuar nessa sociedade. Para desenvolver esses processos, há necessidade de oferecer nas universidades uma prática pedagógica que propicie ações conjuntas e prepare os alunos para empreender e conquistar essa qualificação a partir da sala de aula.
As universidades e as escolas em geral, ao optarem por um paradigma inovador, precisam derrubar barreiras que segregam o espaço e a criatividade do professor e dos alunos, que em geral ficam restritos à sala de aula, ao quadro de giz e ao livro texto (Behrens, 1996). No universo de informações, os alunos deverão ser iniciados também na utilização da tecnologia para resolver problemas concretos que ocorrem no cotidiano de suas vidas. A aprendi­zagem precisa ser significativa, desafiadora, problematizadora e instigante, a ponto de mobilizar o aluno e o grupo a buscar soluções possíveis para serem discutidas e concretizadas à luz de referenciais teóricos e práticos.
A ação docente inovadora precisa contemplar a instrumentalização dos diversos recursos disponíveis, em especial os computadores e a rede de informação. Aos professores e aos alunos cabe participar de um processo conjunto para aprender de forma criativa, dinâmica, encorajadora que tenha como essência o diálogo e a desco­berta. Com essa nova visão, cabe aos docentes empreenderem projetos que contemplem uma relação dialógica, na qual, ao ensinar, aprendem; e os alunos, ao aprender, possam ensinar (Freire, 1997). Os professores e os alunos passam a ser parceiros solidários que enfrentam desafios a partir das problematizações reais do mundo contemporâneo e demandam ações conjuntas que levem à colaboração, à cooperação e à criatividade, para tornar a aprendizagem colaborativa, crítica e transformadora.
Existe a proposição de um paradigma inovador na ciência que venha a atender aos pressupostos exigidos pela sociedade do conhecimento e que tem sido denominado, por alguns educadores, como ecológico, holístico ou emergente (Capra, 1996; Moraes, 1997; Santos, 1987). Caracterizar o paradigma emergente não parece tarefa de fácil resposta neste momento histórico, pois além da multiplicidade de denominações, ele engloba diferentes aspectos e exige a interconexão de pressupostos de diversas teorias.
O paradigma emergente busca a visão de totalidade e o desafio de superação da reprodução para a produção do conhecimento. Para Capra (1996), o paradigma emergente tem como função essencial reaproximar as partes na busca de uma visão do todo. A exigência de tornar o aluno um competente produtor do seu próprio conhecimento implica valorizar a reflexão, a ação, a curiosidade, o espírito crítico, a incerteza, a provisoriedade, o questionamento e, para tanto, exige que o professor reconstrua a prática conservadora que vem desenvolvendo em sala de aula. Os ambientes educativos devem ter como foco central a autonomia, a criatividade e o espírito investigativo. Com esse desafio presente, o professor precisa optar por metodologias que contemplem o paradigma emergente, a partir de contextualizações que busquem levantar situações-problema, que levem a produções individuais e coletivas e a discussões críticas e reflexivas, e, especialmente, que visem à aprendizagem colaborativa.
Para alicerçar uma ação docente que venha a atender às mudanças paradigmáticas da ciência, há a necessi­dade de se constituir uma aliança de abordagens pedagógicas, formando uma verdadeira teia de referenciais teóricos-práticos Behrens (1999), ao realizar pesquisas sobre a prática pedagógica dos professores em todos os níveis de ensino, propõe que para atender ao paradigma emergente se faz necessário construir uma aliança entre os pressupostos da visão sistêmica, da abordagem progressista e do ensino com pesquisa. Defende que para o professor oferecer uma ação docente baseada nessa aliança precisa ampliar também os recursos oferecidos para a aprendizagem dos alunos, em especial com a instrumentalização da tecnologia inovadora.
Uma prática pedagógica competente, que acompanhe os desafios da sociedade moderna, exige uma inter­-relação dessas abordagens e o uso da tecnologia inovadora. Servindo como instrumentos, o computador e a rede de informações aparecem como suportes relevantes na proposição de uma ação docente inovada. Dentre os recursos que têm auxiliado processos de contato entre pares, destacam-se: correio eletrônico: ferramenta de comunicação escrita a distância via rede de computadores; listas de discussão ou fóruns: formadas por pessoas e grupos que têm como objetivo a discussão de um determinado assunto; chat: interface gráfica que possibilita conversa com diversas pessoas ao mesmo tempo; teleconferência: conferências que envolvem usuários fisica­mente distantes, podendo envolver a transmissão e o recebimento de texto, som e imagem. Acredita-se que esses recursos devem ser utilizados para subsidiar uma metodologia de ação docente baseada nas aprendizagens, nas competências e nas habilidades que o professor quer desenvolver com seus alunos.