Ano novo, vida
nova, novos desafios. A cada ano letivo que começa, os professores são testados
por uma realidade que não estava presente no semestre anterior, muito menos no
conteúdo estudado durante a sua formação. O mundo transforma-se, a informação
chega-nos de forma cada vez mais veloz, sem que tenhamos tempo de analisá-las e
absorver os novos conhecimentos disponíveis.
O novo mundo que
invade a escola e que dela exige posicionamentos, decisões e atitudes é um
emaranhado de novas tecnologias, novas configurações familiares e sociais,
novas teorias educacionais, velhas teorias com novas roupagens. Por sua vez o
professor sente-se inseguro e sobrecarregado diante de tantas cobranças e
exigências. No Brasil, em especial, vivemos um momento de grandes transformações,
com a introdução de mais um ano no Ensino Fundamental, a volta do ensino de
Filosofia na escola e mudanças na legislação que regulamenta a formação de
professores, apenas para citar algumas. Como isso afetará o dia-a-dia da
escola? Como lidar com essas novas realidades? Qual será realmente o verdadeiro
papel da educação nesse novo século que se inicia? Estas são questões que se
colocam atualmente aos educadores. Bem, centralizemos nossa atenção para a
última.
A primeira edição do FME (Fórum Mundial de Educação) elegeu como
temática central "Educação no mundo globalizado". Diversos fóruns
educacionais temáticos, regionais e nacionais foram realizados desde então.
Hoje, o FME constitui-se em um grande movimento mundial pela cidadania
planetária, em defesa do direito universal à educação. Para um "outro
mundo possível", uma outra educação é necessária.
O neoliberalismo concebe a educação como uma mercadoria, reduzindo
nossas identidades às de meros consumidores, desprezando o espaço público e a
dimensão humanista da educação. Opondo-se a tal perspectiva, o FME defende uma
concepção emancipadora da educação, que respeita a diferença e convive com
ela, promovendo a intertransculturalidade. Ao projetar a educação para um outro
mundo possível, o fórum está discutindo uma perspectiva da educação do futuro.
Podemos dizer que, em qualquer projeção que se faça do futuro, o
conhecimento terá presença garantida. Nesse contexto, as perspectivas para a
educação no século XXI são otimistas. A pergunta que se faz é: que educação,
que escola, que aluno, que professor, que currículo, que sistema de ensino? A
práxis transformadora com vistas à futuridade histórica leva-nos a refletir
sobre a necessidade de superar a lógica desumanizadora que tem no individualismo,
na competitividade e no lucro seus fundamentos.
Neste texto busca-se compreender o papel da educação no contexto da
globalização neoliberal - que divide o mundo entre globalizadores e
globalizados - e de sua alternativa, a planetarização, que considera a Terra
como uma única comunidade, una e diversa.
No ano em que lembramos os 10 anos do falecimento de Paulo Freire,
nossos corações e nossas mentes, como educadores, estão voltados à educação
para um outro mundo possível, uma educação para a sustentabilidade. No século
XXI, em uma sociedade que utiliza cada vez mais as tecnologias da informação, a
educação tem um papel decisivo na criação de outros mundos possíveis, mais
justos, produtivos e sustentáveis para todos. "Educar para um outro mundo possível" é uma expressão plena de
significados. Podemos começar por entender melhor alguns deles. Ela supõe que
o projeto de mudança do mundo implica uma visão educacional. O que é, então,
educar para um outro mundo possível?
John Holloway (2003), em seu livro Mudar o mundo sem tomar o
poder, mostrou-nos que educar para um outro mundo possível é educar para
dissolver o poder, para democratizá-lo radicalmente. Esse é o objetivo da
revolução. Devemos superar as relações de poder pelo reconhecimento mútuo da
dignidade de cada pessoa. Entender o poder como capacidade de fazer, como
serviço, afirmando que "nós" é que podemos mudar o mundo; nós, as
pessoas comuns, temos essa capacidade de mudar o mundo.
Por isso, educar para um outro mundo possível é educar para conscientizar
(Freire, 1997), para desalienar, para desfetichizar. O fetichismo da ideologia
neoliberal é o fetiche da lógica capitalista que consegue solidificar-se a
ponto de fazer crer que o mundo é naturalmente imutável. O fetichismo transforma
as relações humanas em fenômenos estáticos, como se fossem impossíveis de serem
modificados. Fetichizados, somos incapazes de agir, porque o fetiche rompe com
a capacidade de fazer. Fetichizados, apenas repetimos o já feito, o já dito, o
já existente.
Educar para um outro mundo possível é dar visibilidade ao que foi
escondido para oprimir, é dar voz aos que não são escutados. A luta feminista,
o movimento ecológico, o movimento zapatista, o movimento dos sem-terra e
outros tornaram visível o que estava invisibilizado por séculos de opressão.
Paulo Freire foi um exemplo de educador de um outro mundo possível, pois
colocou no palco da história o oprimido, visibilizando o oprimido e sua relação
com o opressor.
Educar para um outro mundo possível deve incluir uma pedagogia das
ausências (Santos, 2005), isto é, mostrar o que foi ausentado historicamente
pelas culturas dominantes, aquilo que foi tornado estranho pela
sobrevalorização do científico em detrimento do não-científico, pelo não
reconhecimento do saber de experiência feito, pela sobrevalorização do
produtivo em detrimento do não-produtivo. Não há justiça social sem justiça
cognitiva. Educar para um outro mundo possível é educar para a emergência do
que ainda não é, o ainda-não, a utopia, o "inédito viável" (Freire,
1997).
Assim procedendo, estamos assumindo a história como possibilidade e não
como fatalidade. Por isso, educar para um outro mundo possível é também educar
para a ruptura, para a rebeldia, para a recusa, para dizer "não", para
gritar, para sonhar com outros mundos possíveis. Denunciando e anunciando. O
núcleo central da concepção neoliberal da educação é a negação do sonho e da
utopia. Por esse motivo, uma educação para um outro mundo possível é,
sobretudo, a educação para o sonho, a educação para a esperança.
A mercantilização da educação é um dos desafios mais decisivos da
história atual, porque ela sobrevaloriza o econômico em detrimento do humano.
Somente uma educação emancipadora poderá inverter essa lógica através da
formação para a consciência crítica e para a desalienação. Educar para um outro
mundo possível é educar para a qualidade humana para "além do
capital", como nos dizia István Mészáros, em Porto Alegre, em janeiro de
2005, na abertura da terceira edição do FME. A globalização capitalista roubou
das pessoas o tempo para o bem viver, o espaço da vida interior e a capacidade
de produzir dignamente as nossas vidas: cada vez mais gente é reduzida a
máquinas de produção e de reprodução do capital.
Educar para um outro mundo possível é fazer da educação, tanto formal
quanto não-formal, um espaço de formação crítica, e não apenas de formação de
mão-de-obra para o mercado; é inventar novos espaços de formação alternativos
ao sistema formal de educação e negar a sua modalidade hierarquizada em uma
estrutura de mando e subordinação; é educar para articular as diferentes
rebeldias que negam hoje as relações sociais capitalistas; e educar para mudar
radicalmente nossa maneira de produzir e de reproduzir nossa existência no
planeta; portanto, é uma educação para a sustentabilidade.
Não se pode mudar o mundo sem mudar as pessoas: mudar o mundo e mudar
as pessoas são processos interligados. Mudar o mundo depende de todos nós: é
preciso que cada um tome consciência e organize-se em multidões (Hardt e
Negri, 2001). Educar para um outro mundo possível é educar para superar a
lógica desumanizadora do capital que tem no individualismo e no lucro seus
fundamentos; é educar para transformar radicalmente o modelo econômico e
político atual.
É educar para viver em rede, ser capaz de comunicar e agir em comum; é
educar para produzir formas cooperativas de produção e reprodução da
existência humana, educar para a autodeterminação. A diversidade é a
característica fundamental da humanidade. Por isso, não pode haver um único
modo de produzir e de reproduzir nossa existência no planeta. O que há de comum
é a diversidade humana, a qual impõe a necessidade de construir a diversidade
de mundos. A um pensamento único não devemos opor outro pensamento único.
Educar para um outro mundo possível não é educar para um único mundo possível,
mas educar para outros mundos possíveis. A educação tecnicista moderna perdeu a
humanidade, perdeu a criança, a abertura para o outro. Educar para um outro
mundo possível é educar para re-humanizar a própria educação.
Não fomos educados para ter a consciência planetária, e sim a
consciência do Estado-nação (Hardt e Negri, 2001). Os sistemas nacionais de
educação nasceram como parte da constituição do Estado-nação. A escola atual é
resultado do pensamento da modernidade (Hegel-Marx), modelada pelos Estados-nação,
e não pelo pensamento da era da globalização/planetarização. Educar para um
outro mundo possível exige dos educadores um compromisso pela desmercantilização
da educação e uma postura ético-eco-pedagógica de escuta do universo, do qual
todos nós somos parte constituinte. Os educadores não devem dirigir-se apenas
a alunos ou educandos, mas aos habitantes do planeta, considerando-os como
cidadãos da mesma mátria (O'Sullivan, 2004; 60ff, 1995).
A Terra é nosso primeiro grande educador. Educar para um outro mundo
possível é também educar para encontrar nosso lugar na história, no universo. É
educar para a paz, para os direitos humanos, para a justiça social e para a
diversidade cultural, contra o sexismo e o racismo. É educar para a consciência
planetária. É educar para que cada um de nós encontre o seu lugar no mundo,
educar para pertencer a uma comunidade humana planetária, para sentir
profundamente o universo.
É educar para a planetarização, e não para a globalização. Vivemos em
um planeta, e não em um globo. O globo refere-se à sua superfície, às suas divisões
geográficas, aos seus paralelos e meridianos. O globo refere-se a aspectos
cartoriais, enquanto o planeta, ao contrário dessa visão linear, refere-se a
uma totalidade em movimento. A Terra é um superorganismo vivo e em evolução.
Nosso destino, como seres humanos, está ligado ao destino desse ser chamado
Terra. Educar para um outro mundo possível é educar para ter uma relação
sustentável com todos os seres da Terra, sejam eles humanos ou não.
É educar para viver no cosmos - educação planetária, cósmica e
cosmológica -, ampliando nossa compreensão da Terra e do Universo. É educar
para ter uma perspectiva cósmica. Só assim poderemos entender mais amplamente
os problemas da desertificação, do desflorestamento, do aquecimento terrestre
e dos problemas que atingem humanos e não-humanos. Os paradigmas clássicos,
arrogantemente antropocêntricos e industrialistas, não têm suficiente
abrangência para explicar essa realidade cósmica. Por não terem essa visão
holística, não conseguiram dar nenhuma resposta para tirar o planeta da rota
do extermínio e do rumo da cruel diferença entre ricos e pobres. Os paradigmas
clássicos estão levando o planeta ao esgotamento de seus recursos naturais. A
crise atual é uma crise de paradigmas civilizatórios. Educar para um outro
mundo possível supõe um novo paradigma, um paradigma holístico.
Um dos maiores avanços sociais obtidos ao longo dos últimos séculos nos
países mais prósperos, aos quais também aspiram somar-se muitos outros
países, está na capacidade de participação dos indivíduos na vida política e
social, que se manifesta nas tentativas de implantação de sociedades
democráticas e igualitárias. A democracia não consiste apenas em que os
cidadãos possam eleger seus dirigentes ou representantes políticos, ou que
tenham os mesmos direitos e recebam um tratamento igualitário, mas também em
que sejam indivíduos autônomos, com capacidade para analisar racionalmente as
situações sociais, compará-Ias de forma crítica e escolher entre elas as mais
favoráveis tanto para o próprio bem-estar quanto para o bem-estar de todos.
A
democracia procura converter-se não só em uma forma de governo político, mas
também em uma forma de vida. É um modo de funcionamento da vida social, mas
também tem conteúdos e valores. Contudo, a democracia não é um estado, e sim
um ideal para o qual se caminha - por isso, podemos falar de sociedades mais ou
menos democráticas.
A
democracia está diretamente relacionada à educação, pois não é possível que os
cidadãos exerçam suas competências e reclamem seus direitos de uma maneira
completa e satisfatória se não têm uma capacidade de escolher e de decidir com
fundamento entre diferentes opções contrapostas. Uma sociedade ignorante é uma
sociedade facilmente manipulável. Nesse sentido, a escola poderia dar uma
contribuição importante ao funcionamento democrático de uma sociedade, não
apenas elevando o nível de instrução dos indivíduos, como também preparando-os
para participar ativamente de uma vida democrática.
Uma
educação democrática deve estar necessariamente relacionada a conteúdos
educativos determinados, mas sobretudo a uma forma de funcionamento das
instituições escolares, porque a democracia não é um conjunto de
conhecimentos: é, antes de tudo, uma prática.
Muitas
vezes, os conteúdos relacionados à democracia - e, em geral, ao funcionamento
das formas políticas aparecem nas disciplinas referentes às ciências sociais.
Contudo, isso não é suficiente. A participação em uma sociedade democrática
como membro responsável exige que se produzam mudanças e renovações na
organização da escola, assim como modificações na função dos professores.
Porém,
além disso, se examinamos o conteúdo das ciências sociais, damo-nos conta de
até que ponto elas estão defasadas com relação à idéia de preparar para a
democracia. Em cada país, o ensino das ciências sociais apresenta orientações
diferentes, mas que costumam ter em comum essa falta de adequação. Por exemplo,
no Brasil, os ensinos relativos ao conhecimento dos fenômenos sociais aparecem
distribuídos principalmente nas áreas de história e de geografia, bem como nos
temas transversais referentes à ética, à saúde, ao meio ambiente, à orientação
sexual e à plural idade cultural.
Se
pretendemos que as ciências sociais constituam uma preparação para a
democracia, elas não podem consistir simplesmente em uma enumeração de fatos
que estejam muito distantes da vida dos sujeitos que as estudem. E o que
ocorre atualmente é que esses conteúdos são difíceis de conectar com a vida de
cada um.
A
orientação predominante para a história e a geografia não me parece a única
possível, nem a mais adequada. Sabemos perfeitamente que as crianças das primeiras
séries têm grandes dificuldades para entender a história. Várias pesquisas
mostram que entender o tempo histórico é um pouco mais complicado e que só se
começa a compreender os processos diacrônicos a partir dos 11 anos
aproximadamente, não se chegando a uma compreensão mais adequada da história
antes dos I 3 ou 1 4 anos.
Ao
contrário, desde que nasce, a criança vai formando diversos conhecimentos
sobre o meio social e não é de modo nenhum ignorante ou alheia a essas
questões. Além disso, o ensino das ciências sociais tende a ser abordado a
partir dos grandes problemas que dizem respeito à sociedade quando se trata de
realidades com as quais a criança não está em contato e às quais só pode chegar
depois de um longo processo. Por outro lado, ela está em contato com
atividades econômicas como as que se realizam na loja e está acostumada a um
certo manejo do dinheiro. A relação com o poder e com as figuras de
autoridade começa dentro da família e logo se estende à escola, mas sua relação
com o poder em abstrato está muito mais distante.
Crê-se
que o objetivo fundamental que deve guiar as reformas educacionais é
estabelecer uma escola para a democracia, ou seja, uma escola que exista em uma
sociedade democrática e que contribua para melhorá-Ia e aperfeiçoá-Ia. Para
tanto, ela tem de dar particular atenção a fomentar a autonomia dos alunos, o
que deve estar associado ao empenho em eliminar todas as formas de
intolerância e de exclusão dos outros, isto é, deve ajudar a combater o
racismo, o ódio em relação aos imigrantes e desfavorecidos, o nacionalismo
estreito, a exclusão religiosa, as atitudes machistas ou excludentes baseadas
no sexo.
A
escola para a democracia tem de ser uma escola que esteja longe de qualquer
forma de doutrinamento. É preciso fomentar nos alunos sua capacidade de participação
na vida social em um sistema democrático, ou seja, em um sistema em que existe
igualdade de direitos e de deveres para todos, independentemente de sua posição
social ou de suas crenças. Creio que a única coisa que deve ser inviolável são
os princípios democráticos, tal como são expressos na Constituição ou na Carta
fundamental. A formação que se proporciona nas escolas deve permitir que os
alunos elaborem suas próprias opiniões, para que possam escolher as crenças
que Ihes pareçam melhores, mais justas, mais racionais, mais ajustadas ao
funcionamento social. Portanto, assim como não se deve inculcar uma ideologia
política, a escola também não é o lugar para inculcar uma ideologia religiosa,
e cada um deve adotar as crenças religiosas que sejam mais coerentes para ele e
que respondam melhor às suas necessidades (Savater, 1997).
Exercitar-se
no pensamento exige uma disciplina na qual se inclui aprender métodos de trabalho
para expor as próprias idéias a fim de que sejam compreensíveis por outros,
para entender o que os outros dizem e analisar o sentido dos textos, para
formular hipóteses que sirvam para a explicação de um fenômeno e para
contrastar nossas explicações com o que realmente ocorre, para ser capaz de
avaliar duas explicações distintas buscando as vantagens e os inconvenientes
de cada uma. Tudo isso é um trabalho sistemático difícil de realizar fora da
escola, mas que de todo modo deveria constituir sua função fundamental. Por
isso, a escola deve ser um laboratório no qual se aprenda a analisar o mundo, e
é essa capacidade que os alunos deveriam alcançar no maior grau possível ao
final de seus estudos.
O
que se deve procurar fazer é que os alunos, ao término da escolaridade
obrigatória, sejam pessoas adultas, maduras, capazes de discernir o que mais
Ihes convém e o que não Ihes convém, que sejam capazes de planejar e organizar
a vida por si mesmos, que sejam capazes de julgar criticamente a organização social,
que do ponto de vista moral sejam capazes de comportar-se como agentes
autônomos e de respeitar a liberdade, a integridade, os direitos dos outros.
Um
dos aspectos que tem de mudar mais profundamente no futuro da escola é sua
relação com o ambiente social. A escola foi configurando-se como uma instituição
debruçada sobre si mesma, onde se mantinham as crianças para evitar que saíssem
fora, realizando atividades que se referiam à própria escola. Nela se
proporciona um saber atemporal, que os alunos têm a impressão de que sempre
existiu, mas cuja utilização é muito limitada, enquanto os problemas de que se
fala todo dia, os interesses dos alunos, quase não têm espaço.
Ao
contrário, se concebemos a escola como lugar que facilita a construção do conhecimento
e que começa nos processos de pensamento e na autonomia do indivíduo, temos de
abri-Ia para fora, pelo menos em três sentidos.
Em
primeiro lugar, convertendo os problemas cotidianos em objeto de conhecimento.
Em segundo lugar, mostrando como o conhecimento contribui para resolver esses
problemas, mas para isso tem de se transformar em uma instituição ativa no
meio social em que se encontra, pois a escola poderia proporcionar muitas coisas
à comunidade em que está situada.
Por
isso, e em terceiro lugar, ela pode oferecer cultura, conhecimento, um lugar
de intercâmbio, além de ser uma instituição social para toda a comunidade. É
absurdo o desperdício de dispor edifícios amplos e numerosos e utilizá-Ios
apenas algumas horas por dia quando poderiam ser empregados por muito mais
tempo. As escolas deveriam manter-se abertas o dia todo para funcionar como
instituição de cultura não apenas para as crianças ou os jovens, mas para
todos. Nelas se deve poder realizar inúmeras tarefas úteis para os membros
adultos da comunidade. Na escola, deve haver diferentes tipos de oficinas,
desde carpintaria, mecânica e bricolagem, até vídeo, música, fotografia ou sala
de leitura. Especificamente, podem ser organizadas na escola cursos e
atividades de formação de adultos, conferências, exposições, projeções de
filmes, etc., dos quais todos possam participar.
Deve-se
procurar vincular os adultos a ela para que venham aprender e ensinar,
começando pelos pais. Uma mãe pode ser médica e um dia vir para falar das doenças
infecciosas, ou dos microrganismos que vivem na água. Um pai pode dedicar-se a
cultivos em sementeira e explicar como se consegue obter várias colheitas sob
plástico, ou os problemas que as pragas causam nessas condições. Uma mãe que
trabalha em um banco pode explicar como se automatizam os pagamentos, ou como
são organizados os caixas automáticos. Quando virem que na escola são
realizadas atividades úteis, sentirão muito mais intensamente suas
possibilidades de participação dentro dessas atividades.
Mas
nem todas as pessoas que participem das atividades da escola têm de ser pais.
Qualquer um pode ir falar de sua experiência. Naturalmente, tem de fazê-Io em
termos compreensíveis para as crianças e de forma que isso se relacione com
suas demais experiências e aprendizagens, e é o professor que pode organizar
tais atividades, embora também possa ser feito por um grupo de crianças que
organizem as experiências ou a participação de pessoas. Igualmente, as
crianças devem fazer visitas fora da escola.
É
óbvio que nem todas as escolas podem realizar todas essas atividades, porque
carecem dos meios necessários, mas há muitas mais do que aquelas que oferecem
agora. Será preciso adaptar os meios e as instalações e contar com um pessoal
diferente dos professores que lecionam as matérias curriculares que sejam
encarregados de bibliotecas, oficinas, quadras de esportes ou sejam animadores
socioculturais. No entanto, creio que as vantagens de oferecer às crianças e
aos jovens lugares de ócio, de distração e de formação complementar e
interessante podem ser enormes, como prevenção da delinqüência e das condutas
anti-sociais. No final das contas, é muito mais econômico investir em prevenção
do que construir mais presídios ou instituições de internamento de menores.
Um
assunto que merece a máxima atenção, ainda que não possamos desenvolvê-Io
aqui, é a função dos professores em uma escola que prepare para a democracia. O
professor desempenha uma função central para a organização das atividades de
aprendizagem, além de lecionar matérias. Deve ter uma capacidade de empatia
para saber o que o aluno sente e o que o aluno precisa a cada momento. E tem de
animá-Io a trabalhar, ajudá-Io a superar os obstáculos que encontra, guiá-Io
no trabalho. O professor põe o aluno a trabalhar e orienta-o para tarefas e
propostas que são acessíveis. É preciso estimular os alunos a que se proponham
a estudar um determinado problema, mas é o professor que tem de direcionar a
atividade por caminhos que sejam viáveis, o que pode fazer graças à sua maior
experiência. O aluno precisa elaborar o conhecimento ao mesmo tempo em que
constrói seus instrumentos intelectuais e suas formas de relação com os outros
mediante um trabalho próprio, pessoal, que é único para cada indivíduo e que
supõe uma participação muito ativa no trabalho construtivo. Contudo, ele faz
essa aprendizagem junto com os outros, com seus companheiros de idade, com
crianças maiores e com os adultos. O professor deve promover a autonomia da
criança e dar-lhe possibilidades de aprender por si só, mas deve estar
presente quando necessário e também deve ser capaz de apoiá-Ia e de animá-Ia
quando se depara com problemas.
Assim,
a tarefa do professor é insubstituível dentro da sala de aula, mas ele pode
contar com outros apoios materiais e humanos, além de ser desincumbido de muitas
tarefas que tem de realizar agora para se concentrar em ser criador de
ambientes e atividades de aprendizagem. O professor desempenha duas funções
fundamentais: é um modelo, na medida em que mostra como se deve pensar, impõe
sua autoridade (mas não seu poder), autoridade que tem de ser conquistada, e é
um animador social, na medida em que cria as situações de aprendizagem e faz
com que se desenvolvam de maneira adequada.
As problemáticas educacionais do nosso tempo fazem parte de um panorama
mais amplo de mudanças sociais constantes, que complica a escolha de referentes
seguros. Como explica o sociólogo Anthony Giddens, vivemos um período em que a
produção intensa e acelerada de conhecimento "empurra" a vida social
para fora dos ancoradouros da tradição. As relações sociais situam-se em
contextos de espaço e tempo tão heterogêneos, que é difícil ter uma visão de
conjunto. Assim, colocam-se sérias indagações sobre o papel que devem
desempenhar as instituições sociais, entre elas a escola. Os professores, como
cidadãos que são e igualmente como profissionais que exercem sua tarefa nessas
instituições sociais, vivem tal situação com dificuldades.
As mudanças sempre geram incertezas, mas também possibilidades. Vivemos
uma transformação considerável do sujeito cognitivo, da ciência objetiva e da
cultura coletiva, motivo pelo qual precisamos aprimorar nossas capacidades
para compreender e para transmitir. Hoje, ensinar de acordo com o que
entendemos por conhecimento, segundo Benejam (2005, p. 104): "não implica
apenas a formação de uma mente ordenada e pensante, mas devemos abordar
claramente e de maneira inseparável o campo dos valores. Entendemos a
liberdade como capacidade de consciência, como capacidade de pensar por si
mesmo, como capacidade de escolher. Entendemos a igualdade como capacidade de
dúvida e de reconhecimento da necessidade de comunicação com os outros (...).
Ninguém se constrói sem a idéia de conflito, sem chegar a sentir a intranqüilidade
que dá a distância entre o que se 'é' e o que se 'deveria ser', e essa
inquietação é o princípio da cooperação".
É na sala de aula de uma escola que se cristalizam os conflitos que põem
à prova a qualidade dos professores, assim como suas condições de trabalho.
As salas de aula constituem um espaço socialmente necessário em face do
desaparecimento de outros espaços públicos, em benefício de um individualismo
difuso de massas. A sociedade encaminha-se para um mundo onde é cada vez maior
a incidência de redes virtuais, que eliminam os parâmetros de espaço e tempo
presenciais nas relações pessoais e distribuem os fluxos informativos,
menosprezando o protagonismo que até então pertencia às instituições. Essa
evolução social, positiva em muitos aspectos, põe em xeque algumas funções da
escola, uma instituição localizada no importante cruzamento entre a esfera
pública e a esfera privada dos indivíduos, mas também enfatiza sua
transcendência.
O interesse da educação escolar contemporânea reside justamente no fato
de que alunos diferentes escolarizam-se juntos, e a função dos professores
consiste na busca de estratégias que convertam as salas de aula em lugares
propícios para o ensino e a aprendizagem. O caráter comunitário da escola é
mais relevante do que nunca, visto que ela tem a possibilidade de se converter
em um âmbito no qual se pratique uma racionalidade baseada no diálogo, na
aceitação do conflito e em sua superação mediante a negociação. Assim, a
formação do docente deve ter como um de seus eixos centrais essa concepção
comunitária, cooperativa e inclusiva da educação.
O ensino, em suas diferentes etapas, tem como desafio situar a
aprendizagem das crianças em um processo aberto a partir de sua própria
biografia, com o objetivo de apurar sua habilidade diante das inseguranças e de
melhor compreender os fenômenos sociais contemporâneos. Como assinala Beck
(1998), quando uma quantidade cada vez maior de pessoas deixa-se levar por
relações que não são capazes de entender, de dominar ou de ignorar por seus
próprios meios, aumenta a conflituosidade social. Desse modo, o que ocorre na
sala de aula já não se explica em termos de uma causalidade linear, mas forma
um conjunto complexo, no qual as explicações são provisórias e plurais,
enquanto os modelos psicopedagógicos baseados no automatismo causa-efeito -
bastante arraigados no pensamento implícito de muitos professores - mostram-se
insuficientes.
A adoção de uma perspectiva cultural, artística e comunicativa da
aprendizagem escolar deve levar em conta tanto a coletividade quanto a
individualidade. O grupo-classe não tem sentido se não acolher as
especificidades e as diferenças individuais; somente a partir delas, e não sem
elas, pode-se avançar juntos. Hoje, os mecanismos que pressionam no sentido da
conformidade são fortes em todas as idades. Ainda que a retórica geral, os
discursos oficiais e os textos legais defendam uma pedagogia da diversidade, é
igualmente verdade que existe menos tolerância do que parece. E não só apenas
a grupos culturais, etnias ou grupos sociais diferentes, mas também às
características de personalidade, de estilo de cada individuo.
A organização de um contexto plural, ou seja, laico, não é possível se
não se tiver presente que as praticas escolares são inter-relacionadas, devido
às influências diversas e contraditórias que existem na sociedade, motivo pelo
qual a construção do currículo escolar desenvolve-se em um terreno de conflito
mais do que em um âmbito estável de relações. O currículo depende da maneira
como se distribuem os bens e serviços em uma sociedade. Conseqüentemente, a
necessidade de compreender o currículo como uma questão cultural é um elemento
importantíssimo na formação dos docentes. A educação contemporânea deve
mover-se em uma constante oscilação entre estabilidade e precariedade dos
conhecimentos, deve propor estratégias didáticas em meio a crenças
não-consensuais em seu meio social e deve priorizar determinadas informações em
meio a contradições culturais evidentes.
As dificuldades de "visibilidade" da tarefa docente tornam
necessário aprofundar-se na autonomia que permita agir tanto em função de
tarefas acadêmicas quanto em função de um clima externo à instituição escolar.
A autonomia docente implica, portanto, romper com uma excessiva dependência
administrativa, que acaba levando a uma dependência moral. É por isso ainda
que a discrepância deve ter um lugar de destaque se aceitamos a pluralidade e a
laicidade como valores centrais da educação pública.
É preciso que a formação inicial hoje dê um salto adiante. As dimensões
e a duração dessa formação inicial indicarão nitidamente a importância que a sociedade
atribui ao trabalho dos professores para além das declarações retóricas e, por
que não dizer, de uma certa hipocrisia. Esperamos ainda que as diferenças de
formação entre os professores nas várias etapas educativas sejam diferenças
apenas de modalidade, de especialização, mas que todos os docentes sejam valorizados
da mesma maneira, independentemente da etapa educacional em que trabalhem.
Os fatos apresentados obrigam a reorientar a formação dos professores,
que não pode mais se fundamentar em uma concepção que reduz a prática a uma
mera aplicação. A docência contemporânea deve incluir a capacidade para
tolerar a incerteza. Isso pode criar problemas - e, de fato, cria para uma
parte dos professores.
Por isso, os estudos sobre a evolução das profissões, em geral, e da
profissão docente, em particular, insistem no fato de que esta não é adquirida
de um dia para outro, e sim progressivamente, mediante uma formação que deve
integrar-se ao itinerário biográfico da pessoa e mediante uma evolução da
profissionalização, entendida em sentido amplo: "Deveria ser uma questão
prioritária na formação docente compreender a vida emocional dos professores,
seus sentimentos em relação ao seu trabalho, levar em conta sua vida emocional
e os contextos em que se desenvolve de forma que a cultivem positivamente,
evitando destruí-Ia", conforme Hargreaves (1999, p. 136).
A formação dos docentes está muito
próxima das necessidades administrativas dos sistemas e deve avançar mais na
direção de formar pessoas dispostas a enfrentar as incertezas da mudança,
capazes de suportar o reality shock, o contato com a realidade; pessoas
receptivas a um ambiente educacional que é o resultado e o espelho de uma
sociedade contraditória e heterogênea, dispostas a aceitar o conflito como
elemento indispensável para crescer coletivamente. "Os problemas são
nossos amigos", afirma Fullan (1994, p. 159).
A formação inicial dos professores deverá, portanto, aprofundar-se em
todas as atividades nas quais o futuro docente possa ter a oportunidade de
avaliar diretamente conflitos de caráter cultural, de trocar pontos de vista
com seus colegas, de enfrentar dilemas morais, de intercambiar contatos e
experiências, de desenvolver práticas de aprendizagem em ambientes
socioculturais diferenciados, etc. Afinal, uma das primeiras tarefas do
professor é a de se educar nas condições em que terá de educar. É a partir do
conhecimento das condições em que se efetiva a tarefa docente que as mudanças
poderão caminhar na direção desejada.
Em suma, uma educação plural impõe necessariamente rever o caráter da
formação inicial dos professores e o papel da universidade nesse campo. Não
basta pedir ou desejar que os professores estejam capacitados para resolver os
conflitos que o exercício da prática docente supõe; é preciso implementar
modificações profundas na estrutura, na organização e nos conteúdos da formação
dos professores. Uma formação inicial renovada deve passar por uma formação
científica e acadêmica o mais rigorosa possível, juntamente com uma necessária
formação pedagógica. "Em alguns países, critica-se o fato de o sistema
ignorar a pedagogia; em outros, ao contrário, de privilegiá-la excessivamente.
As duas competências são necessárias, e nem a formação inicial nem a formação
permanente deve ser sacrificada em nome da outras" (Delors, 1996, p.
135).
Falta uma formação da perspectiva globalizante, que permita a
especialização posterior, assim como uma formação aberta a novos procedimentos
não-convencionais de aprendizagem, mediante o exemplo, o treinamento, a
reflexão e a discussão da prática, em um itinerário que transite
permanentemente da prática à teoria e retome à prática; uma formação com
apoio emocional; uma formação que inclua a elaboração de experiências de aprendizagem,
os estudos de casos e as pequenas pesquisas sobre realidades específicas; uma
formação que não apenas ensine aos futuros professores como ensinar, mas que,
ao mesmo tempo, os forme para que continuem aprendendo em contextos escolares
diferentes e no âmbito de uma sociedade plural.
Diante das exigências do mundo globalizado, em constante e rápida
transformação, é necessário que o professor crie um perfil diferente deste que
vem predominando nas escolas e nas universidades nas últimas décadas.
O professor precisa ser flexível, o que significa estar aberto para
novas idéias e conceitos. O futuro terá lugar para profissionais versáteis, ou
seja, aqueles que compreendem cada função dentro da escola e como elas se
relacionam. O profissional não pode se limitar a conhecer apenas a sua função,
é preciso ter conhecimentos globais.
Espírito de liderança é fundamental ao profissional do futuro, que terá
de exercê-Io com freqüência tendo em vista a necessidade de responder a
mudanças. Deverá expressar-se com clareza, o que exige um bom poder de
comunicação, tanto no trabalho como fora dele. É indispensável conhecer avanços
em todas as áreas, inclusive o tecnológico.
Na educação do futuro, o conteúdo deixa de ter um fim em si mesmo e
passa a ser um meio para desenvolver competências. O conhecimento que era
fragmentado, dividido por disciplinas, de caráter enciclopédico, memorizador e
cumulativo vem ser interdisciplinar, contextualizado, privilegiando a
construção de conceitos e a criação dos sentidos. O currículo fracionado,
estático, organizado por disciplinas passará a ser em rede, dinâmico,
organizado por áreas de conhecimento e temas geradores. A sala de aula que
apresentava-se como espaço de transmissão de saber passa a ser concebido como
um local de reflexão e de situações de aprendizagem. As atividades que eram
padronizadas e rotineiras deverão ser centradas em projetos e resoluções de
problemas. O papel do professor que era de transmitir conhecimento, deverá ser
de um facilitador da aprendizagem, mediador do conhecimento. A avaliação
classificatória e excludente passará a ser formativa, buscando avaliar as
competências adquiridas.
São várias as competências profissionais exigidas do professor na escola
do futuro. Este deverá saber organizar e estimular situações de aprendizagem,
trabalhando a mesma a partir dos erros envolvendo os alunos em atividades de
pesquisa e projetos de conhecimentos. Administrar a progressão das
aprendizagens, concebendo e administrando situações-problema ajustado ao nível
e as possibilidades dos alunos. Envolver os alunos em sua aprendizagem sabendo
conduzir trabalhos em equipe, administrando crises ou conflitos interpessoais.
O professor deverá saber utilizar as ferramentas multimídias do ensino e
administrar sua própria formação contínua.
Nos novos tempos, a escola deverá ser uma instituição que tenha
capacidade de aprender. Para isso ocorrer, será necessário que os professores
criem espaços de aprendizagem, sejam capazes de trabalhar com múltiplas
linguagens (verbal, imagética, escrita, corporal, etc) e elaborem atividades
que desenvolvam a intersubjetividade e a comunicação com o outro, esteja ele
próximo ou distante.
O novo professor precisará no cotidiano, criar condições para a vivência
dos contextos por parte dos alunos e propiciar também a convivência entre
sujeitos. Será uma nova pedagogia, que denominamos pedagogia da diferença, a
qual se estrutura a partir do diferente na diferença, enfatizando as
singularidades, tanto de natureza espaço-temporal como no âmbito das
subjetividades. Este será o novo papel do professor e esta deverá ser a nova
escola do futuro: uma escola centrada nos homens e nas mulheres, enquanto
expressões do ser humano.
Vivemos hoje, nós que nos dedicamos
à educação, qual Édipo diante da Esfinge. Ou deciframos o enigma que o
monstro nos coloca ou somos devorados por ele. No processo educativo, ser
devorado peja Esfinge é passar a fazer parte do sistema educacional vigente,
tornar-se mais uma engrenagem dessa máquina social, reproduzindo-a a todo
instante em nossos fazeres cotidianos. A condição de não ser mais uma
engrenagem é sermos capazes de decifrar os enigmas que a crise na educação nos
apresenta, conseguindo superar esse momento de rupturas.
Os enigmas não são poucos; a crise na educação é multifacetada. Um dos
seus aspectos diz respeito ao próprio conceito de educação e a como a escola se
organiza para materializá-Ia: a função da escola em nossos dias é instruir, ou
seja, transmitir conhecimentos? Ou é educar, isto é, formar integralmente uma
pessoa?
Educação e instrução não se excluem, mas se complementam. Ou melhor, a
educação abarca a própria instrução e a completa, formando o indivíduo
intelectual e socialmente, duas realidades na verdade indissociáveis.
A instrução é o ato de instrumentalizar o aluno, fornecendo a ele
os aparatos básicos para que possa se relacionar satisfatoriamente com a
sociedade e com seu mundo. A instrução trabalha a aquisição das ferramentas de
comunicação: a língua materna, que ele basicamente já domina na forma oral,
será também assimilada na forma escrita, estendendo e alargando os horizontes
da comunicação. Além da língua materna, outras ainda podem ser trabalhadas,
garantindo um aprofundamento do conhecimento da própria língua original e
abrindo novas perspectivas. Por outro lado, temos a linguagem matemática, que é
imprescindível para a comunicação científica. Ajuda na articulação lógica das mensagens
como um todo e abre caminho para a apreensão dos conhecimentos científicos, o
desvendar dos segredos do mundo. De posse das ferramentas básicas para a
comunicação e o entendimento, a instrução procura também fornecer aos alunos os
conhecimentos básicos sobre o mundo e sobre a sociedade, traduzidos nas
disciplinas física, química, biologia, que integram a cosmologia, isto
é, os conhecimentos humanos sobre o Universo, e nas disciplinas geografia e
história, que mostram como o homem relaciona-se com seu espaço e sua marcha
social através dos tempos.
Mas a educação não se resume à transmissão desses conhecimentos; uma
pessoa de posse de tais instrumentos ainda não está apta a relacionar-se com o
mundo e com a sociedade de maneira plena, autêntica e satisfatória: falta-lhe
ainda uma postura diante da realidade, uma forma de se utilizar desses
aparelhos, uma personalidade definida. Mas como se ensina uma postura,
como se forma a personalidade?
Antes de tudo, é bom lembrar que a postura não é adquirida apenas na
escola: já na família e nas diversas instituições sociais a criança vai tomando
contato com uma série de realidades que a levam a assumir determinadas
posturas, sendo que com o passar do tempo ela vai filtrando algumas,
cristalizando outras, formando o caráter, a personalidade. Mas, e na escola,
como se dá o processo? Será que a formação da personalidade acontece por meio
de um aprendizado direto, análogo àquele que ocorre com os conhecimentos sobre
o mundo? É óbvio que não. Não se adquire postura por meio de discurso.
Exemplificando: não é com intermináveis aulas de ética, nas quais um professor
apresenta e repete os preceitos morais da sociedade, que o aluno conseguirá
assumir, em sua vida, posturas moralmente corretas pautadas por esses
preceitos.
A formação do aluno jamais acontecerá pela assimilação de discursos, mas
sim por um processo microssocial em que ele é levado a assumir posturas de
liberdade, respeito, responsabilidade, ao mesmo tempo em que percebe essas
mesmas práticas nos demais membros que participam deste microcosmo com que se
relaciona no cotidiano. Uma aula de qualquer disciplina constitui-se, assim, em
parte do processo de formação do aluno, não pelo discurso que o professor possa
fazer, mas pelo posicionamento que assume em seu relacionamento com os alunos,
pela participação que suscita neles, pelas novas posturas que eles são chamados
a assumir. É claro que esse processo não fica confinado à sala de aula;
Para formar integralmente o aluno não podemos deixar de lado nenhuma
dessas facetas: nem a sua instrumentalização, pela transmissão dos conteúdos,
nem sua formação social, pelo exercício de posturas e relacionamentos que sejam
expressão da liberdade, da autenticidade e da responsabilidade. A esse processo
global podemos, verdadeiramente, chamar de educação. Deste ponto de vista, os
conteúdos a serem trabalhados são expressão da instrução, enquanto que
as posturas de trabalho individual e coletivo se traduzem no método de
trabalho pedagógico. A educação é, pois, uma questão de método.
Se desejamos uma educação com tais características, elas precisam estar
materializadas nos currículos de nossas escolas. Infelizmente, não é bem isso
que vemos ao analisá-Ios.
3.1.2 - O Leitor
Investigativo e Reflexivo
É preciso superar algumas concepções sobre o aprendizado inicial da
leitura. A principal delas é a de que ler é simplesmente decodificar, converter
letras em sons, sendo a compreensão conseqüência natural dessa ação. Por conta
desta concepção equivocada a escola vem produzindo grande quantidade de
"leitores" capazes de decodificar qualquer texto, mas com enormes
dificuldades para compreender o que tentam ler.
O conhecimento atualmente disponível a respeito do processo de leitura
indica que não se deve ensinar a ler por meio de práticas centradas na
decodificação. Ao contrário, é preciso oferecer aos alunos inúmeras
oportunidades de aprenderem a ler usando os procedimentos que os bons leitores
utilizam. É preciso que antecipem, que façam inferências a partir do contexto
ou do conhecimento prévio que possuem, que verifiquem suas suposições - tanto
em relação à escrita, propriamente, quanto ao significado. É disso que se está
falando quando se diz que é preciso "aprender a ler, lendo": de
adquirir o conhecimento da correspondência fonográfica, de compreender a
natureza e o funcionamento do sistema alfabético, dentro de uma prática ampla
de leitura. Para aprender a ler, é preciso que o aluno se defronte com os
escritos que utilizaria se soubesse mesmo ler - com os textos de verdade,
portanto. Os materiais feitos exclusivamente para ensinar a ler não são bons
para aprender a ler: têm servido apenas para ensinar a decodificar,
contribuindo para que o aluno construa
uma visão empobrecida da leitura.
De certa forma, é preciso agir como se o aluno já soubesse aquilo que
deve aprender. Entre a condição de destinatário de textos escritos e a falta de
habilidade temporária para ler autonomamente é que reside a possibilidade de,
com a ajuda dos já leitores, aprender a ler pela prática da leitura. Trata-se de
uma situação na qual é necessário que o aluno ponha em jogo tudo que sabe para
descobrir o que não sabe, portanto, uma situação de aprendizagem. Essa
circunstância requer do aluno uma atividade reflexiva que, por sua vez,
favorece a evolução de suas estratégias de resolução das questões apresentadas
pelos textos.
Essa atividade só poderá ser
realizada com a intervenção do professor, que deverá colocar-se na situação de
principal parceiro, agrupar seus alunos de forma a
favorecer a circulação de informações
entre eles, procurar garantir que a heterogeneidade do grupo seja um
instrumento a serviço da troca, da colaboração e, conseqüentemente, da própria
aprendizagem, sobretudo em classes numerosas nas quais não é possível atender
a todos os alunos da mesma forma e ao mesmo tempo.
Para aprender a ler, portanto, é
preciso interagir com a diversidade de textos escritos, testemunhar a
utilização que os já leitores fazem deles e participar de atos de leitura de
fato; é preciso negociar o conhecimento que já se tem e o que é apresentado
pelo texto, o que está atrás e diante dos olhos, recebendo incentivo e ajuda de
leitores experientes.
A leitura, como prática social, é
sempre um meio, nunca um fim. Ler é resposta a um objetivo, a uma necessidade
pessoal. Fora da escola, não se lê só para aprender a ler, não se lê de uma
única forma, não se decodifica palavra por palavra, não se responde a perguntas
de verificação do entendimento preenchendo fichas exaustivas, não se faz
desenho sobre o que mais gostou e raramente se lê em voz alta. Isso não
significa que na escola não se possa eventualmente responder a perguntas sobre
a leitura, de vez em quando desenhar o que o texto lido sugere, ou ler em voz
alta quando necessário.
Uma prática constante de leitura
na escola pressupõe o trabalho com a diversidade de objetivos, modalidades e
textos que caracterizam as práticas de leitura de fato. Diferentes objetivos
exigem diferentes textos e, cada qual, por sua vez, exige uma modalidade de
leitura. Há textos que podem ser lidos apenas por partes, buscando-se a
informação necessária; outros precisam ser lidos exaustivamente e várias
vezes. Há textos que se pode ler rapidamente, outros devem ser lidos devagar.
Há leituras em que é necessário controlar atentamente a compreensão, voltando
atrás para certificar-se do entendimento; outras em que se segue adiante sem
dificuldade, entregue apenas ao prazer de ler. Há leituras que requerem um
enorme esforço intelectual e, a despeito disso, se deseja ler sem parar; outras
em que o esforço é mínimo e, mesmo assim, o desejo é deixá-Ias para depois.
Para tornar os alunos bons
leitores - para desenvolver, muito mais do que a capacidade de ler, o gosto e o
compromisso com a leitura -, a escola terá de mobilizá-Ios internamente, pois
aprender a ler (e também ler para aprender) requer esforço. Precisará fazê-Ios
achar que a leitura é algo interessante e desafiador, algo que, conquistado
plenamente, dará autonomia e independência. Precisará torná-Ios confiantes,
condição para poderem se desafiar a "aprender fazendo". Uma prática
de leitura que não desperte e cultive o desejo de ler não é uma prática
pedagógica eficiente.
Formar leitores é algo que
requer, portanto, condições favoráveis para a prática de leitura - que não se
restringem apenas aos recursos materiais disponíveis, pois, na verdade, o uso
que se faz dos livros e demais materiais impressos é o aspecto mais
determinante para o desenvolvimento da prática e do gosto pela leitura.
A leitura é uma atividade que se
realiza individualmente, mas que se insere num contexto social, envolvendo
disposições atitudinais e capacidades que vão desde a decodificação do sistema
de escrita até a compreensão e a produção de sentido para o texto lido.
Abrange, pois, desde capacidades desenvolvidas no processo de alfabetização
"stricto sensu" até capacidades que habilitam o aluno à participação
ativa nas práticas sociais letradas que contribuem para o seu letramento.
Como a capacidade de compreensão
não vem automaticamente, nem plenamente desenvolvida, precisa ser exercitada e
ampliada em diversas atividades, que podem ser realizadas antes mesmo que os
alunos tenham aprendido a decodificar o sistema de escrita. O professor
contribui para o desenvolvimento dessa capacidade dos alunos quando: a) lê em
voz alta e comenta ou discute com eles os conteúdos e usos dos textos lidos; b)
proporciona a eles familiaridade com gêneros textuais diversos (histórias,
poemas, trovas, canções, parlendas, listas, agendas, propagandas, notícias,
cartazes, receitas culinárias, instruções de jogos, regulamentos etc.), lendo
para eles em voz alta ou pedindo-Ihes leitura autônoma; c) aborda as
características gerais desses gêneros (do que eles costumam tratar, como
costumam se organizar, que recursos lingüísticos costumam usar); e, d) instiga
os alunos a prestarem atenção e explicarem os 'não ditos' do texto, a
descobrirem e explicarem os porquês, a explicitarem as relações entre o texto e
seu título.
Saber reconhecer diferentes
gêneros textuais e identificar suas características gerais favorece bastante o
trabalho de compreensão, porque orienta, adequadamente as expectativas do
leitor diante do texto. O professor contribui para isso quando propõe, antes da
leitura, perguntas que suscitam a elaboração de hipóteses interpretativas, que
serão verificadas (confirmadas ou não) durante e depois da leitura: "de
que assunto trata esse texto?", "é uma história?", "é uma
notícia?", "é triste?", "é engraçado?", "o que
vai acontecer?". Até o leitor iniciante pode tentar adivinhar o que o
texto diz, pela suposição de que alguma coisa está escrita, pelo conhecimento
do seu suporte (livro de história, jornal, revista, folheto, quadro de avisos
etc.) e de seu gênero, pelo conhecimento de suas funções (informar, divertir
etc.), pelo título, pelas ilustrações.
Outras atividades adequadas para
desenvolver a capacidade de compreensão e que podem ter início desde antes da
alfabetização "stricto sensu", porque podem ser realizadas a partir
da leitura em voz alta feita pelo professor são as que levam os alunos a
partilhar sua emoção e sua compreensão com os colegas, avaliando e comentando
afetivamente o texto, resumindo-o, explicando-o, fazendo extrapolações (isto
é, projetando o sentido do texto para outras vivências, outras realidades).
Resumir, explicar, discutir e avaliar o texto requer tê-Io compreendido
globalmente, ter interligado informações e produzido inferências. Fazer
extrapolações pertinentes - sem perder o texto de vista - contribui para o
aprendizado afetivo e atitudinal de descobrir que as coisas que se lêem nos
textos, podem fazer parte da nossa vida, podem ter utilidade e relevância para
nós.
Ensinar a ler, trata-se de exercitar a leitura
para praticar, numa primeira instância, a decodificação da escrita, adestrando
o olho para enxergar mais do que uma letra de cada vez, mais do que apenas uma
palavra, para entender os processos de construção das palavras (os radicais,
os afixos, as desinências), para enxergar as discrepâncias que caracterizam a
ortografia, para atribuir significado a expressões, a metáforas, para se
familiarizar com a sintaxe da língua escrita (a concordância verbal e nominal,
as formas e os tempos verbais, o uso das preposições, as conjunções e outros
nexos), para entender o significado dos sinais de pontuação, o das letras
maiúsculas e o das minúsculas, o das margens do texto, para construir um
repertório de enredos, de personagens, de raciocínios, de argumentos, de linhas
de tempo, de conceitos que caracterizam as áreas de conhecimento, para, enfim,
movimentar-se com desenvoltura no mundo da escrita. Esta leitura de formação de
leitor tem por objetivo desenvolver no aluno a familiaridade com a língua
escrita através da leitura de todo o tipo de texto, numa quantidade tal que o
faça gostar de ler e de perceber a importância da leitura para sua vida pessoal
e social, transformando-a num hábito capaz de satisfazer esse gosto e essa
necessidade.
E como os professores
trabalhariam com esses livros? Ensinando a ler, começando por colocar os alunos
na mais adequada postura para ler: sentados em silêncio, administrando a
escolha dos livros, conversando com o aluno que solicitar uma orientação a
respeito do assunto do livro, incentivando-o a olhar no dicionário alguma
palavra-chave para o entendimento do texto, ajudando o aluno a usar o
dicionário, fornecendo-lhe indicações bibliográficas nas quais poderia procurar
mais informações a respeito de um assunto que lhe despertou um interesse mais
forte, estimulando esse interesse, incentivando-o a falar aos colegas a
respeito do que está lendo, a trocar impressões com os colegas a respeito de
leituras comuns.
E por que em sala de aula e não
na biblioteca? Porque a sala de aula é o lugar onde o professor ensina, onde
ele mostra, por sua presença e sua atuação, a importância da leitura. Ele traz
os livros e os apresenta, estimula a todos a escolherem do que vão ler, fica
sabendo do interesse que vai se formando para cada um, faz sugestões, discute
os assuntos, responde perguntas, aprofunda o assunto. Ele lê com seus alunos. A
biblioteca é o lugar de outra magia: lá está o tesouro inesgotável do
conhecimento construído historicamente pela humanidade. Na biblioteca, o aluno,
explorando o seu acervo, vai expandir seus interesses, vai descobrir que
existem enciclopédias, mapas, atlas, manuais, revistas, livros de todo o tipo e
sobre todos os assuntos, ou vai concentrar-se numa leitura de aprofundamento de
um determinado interesse criado na leitura em sala de aula. A sala de aula é
lugar da criação de um vínculo com a leitura, pela inserção do aluno na
tradição do conhecimento. A biblioteca é o lugar do cultivo pessoal desse
vínculo. Lá se processa o amadurecimento intelectual.
Ao lado dessa atividade de
leitura orientada pelo gosto, pelo prazer de atribuir sentido a um texto, cada
professor na aula de sua respectiva disciplina (ou dois ou mais professores em
trabalho multidisciplinar) vai promover leituras de aprofundamento de textos:
agora todos vão viver o encantamento da descoberta coletiva dos muitos sentidos
historicamente reconhecidos em um texto decisivo para o conhecimento produzido
pela humanidade. Essa leitura de inserção do aluno no universo da cultura
letrada tem por objetivo desenvolver a habilidade de dialogar com os textos
lidos pelo desenvolvimento de sua capacidade de ler em profundidade e de
interpretar textos significativos para a formação de sua cidadania, cultura e
sensibilidade.
Ler é produzir sentido: o leitor
atribui ao texto que tem diante de si o sentido que lhe é acessível. Assim, o
aluno de 5ª série, que acabou de ler o "Soneto da fidelidade", chama
a professora para expressar sua admiração. Gostou muito da comparação do amor
com fogo: aqui, sora, posto que é chama... Cabe ao professor, então, ensinar ao
aluno, que posto que é uma construção da língua escrita e busca expressar uma
relação tal, que liga um efeito à sua esquerda com uma causa à sua direita, uma
expressão da mesma família do porque. O professor vai dizer que a leitura
corrente do poema interpreta o verso "que não seja imortal posto que é
chama", como o amor "não é imortal, porque é como uma chama, que pode
se apagar" vai dizer também que na comparação do amor com fogo, o sentido
que o aluno construiu, com os meios expressivos a que tinha acesso, é uma
metáfora muito expressiva, a partir da qual ele pode produzir o seu próprio
poema a respeito do mesmo tema.
É um direito de cidadania do
aluno, ter acesso aos meios expressivos construídos historicamente pelos
falantes e escritores da Língua Portuguesa, para que se torne capaz de ler e
compreender todo e qualquer texto já escrito nessa língua. Ensinar a ler é
levar o aluno a reconhecer a necessidade de aprender a ler tudo o que já foi
escrito, desde o letreiro do ônibus aos nomes das ruas, dos bancos e das casas
comerciais, leituras fundamentais para a sua sobrevivência e orientação numa
civilização construída a partir da língua escrita. Ler o jornal que vai
relacioná-Io minimamente com o mundo lá fora; ler os poemas, que vão dar
concretude, qualificar e expandir os limites de seus sentimentos; ler
narrativas, que vão organizar sua relação com a complexidade da sua vida
social; ler as leis e os regulamentos que regem a sua cidadania; e, ler os
ensaios que apelam à sua racionalidade e a desenvolvem.
Ensinar a ler é também dar acesso
aos meios expressivos necessários para que o aluno leia não apenas os seus contemporâneos,
dialogando com eles dentro de um universo comum de questões, problemas e
descobertas, mas também os antigos, até com os fundadores da língua, para que
ele possa perceber que a Língua Portuguesa que ele lê é produto do trabalho de
homens como ele, que a tornaram capaz de expressar o que precisaram que ela
expressasse.
Assim como numa primeira
instância, ensinar a ler é alfabetizar, levar o aluno ao domínio do código
escrito. Ensinar a ler, continua sendo levar o aluno ao domínio de códigos
mais elaborados e mais especializados. A quem cabe ensinar o significado
corrente de posto quê? Em princípio, costuma-se atribuir tarefas desse tipo ao
professor de Português, mas qualquer professor, de qualquer disciplina, é pelo
menos, também em princípio, um leitor da Língua Portuguesa e, como tal, pode
fazer uma ponte entre o significado construído pelo aluno e o significado
corrente da expressão. E o princípio mais saudável para reger essa tarefa é a
sabedoria relativa de cada um. Vamos combinar que não é feio nem constrangedor
ignorar o significado de alguma palavra ou expressão, nem mesmo para os
professores de Português. Vamos combinar que é muito mais útil para professores
e alunos, que todos acabem achando natural procurar resolver as próprias
dúvidas em dicionários, enciclopédias, manuais, guias ortográficos, dicionários
especializados. Vamos combinar que feio e inútil (e muito mais trabalhoso) é
estigmatizar a ignorância alheia e esconder a própria.
E na escola? Que leitor formar?
Evidentemente, qualquer pessoa comprometida com a educação logo pensará que
compete à escola formar leitores críticos, e esse tem sido, efetivamente, o
objetivo perseguido nas práticas escolares, amparadas pelos discursos dos
teóricos da linguagem e pelos documentos oficiais nas últimas décadas.
Formar para o gosto literário,
conhecer a tradição literária local e oferecer instrumentos para uma penetração
mais aguda nas obras - tradicionalmente objetivos da escola em relação à
literatura - decerto supõem percorrer o arco que vai do leitor vítima ao leitor
crítico. Tais objetivos são, portanto, inteiramente pertinentes e
inquestionáveis, mas questionados devem ser os métodos que têm sido utilizados
para esses fins.
Veja-se que a tarefa é bastante
difícil, uma vez que a ficção juvenil, que tem sido quase hegemônica no ensino
fundamental, ou os best-sellers não são suficientes para lançar o jovem
no âmbito mais complexo da leitura literária, pois nesses casos a experiência
ainda se mantém restrita a obras consagradas pela mídia e também àquelas que
oferecem um padrão lingüístico próximo da linguagem cotidiana. O desafio será
levar o jovem à leitura de obras diferentes desse padrão - sejam obras da
tradição literária, sejam obras recentes, que tenham sido legitimadas como
obras de reconhecido valor estético -, capazes de propiciar uma fruição mais
apurada, mediante a qual terá acesso a uma outra forma de conhecimento de si e
do mundo. E é bom lembrar que nem sempre a leitura literária, como experiência
estética, flui de modo espontâneo. Há pontos de resistência no aluno-leitor
(seu repertório, os lugares-comuns em que se assenta sua experiência de
leitor), como há tensões de difícil desvendamento em certos textos,
especialmente o poético.
A prática escolar em relação à
leitura literária tem sido a de desconsiderar a leitura propriamente e
privilegiar atividades de metaleitura, ou seja, a de estudo do texto
(ainda que sua leitura não tenha ocorrido), aspectos da história literária,
características de estilo, etc., deixando em segundo plano a leitura do texto
literário, substituindo-o por simulacros, como já foi dito, ou simplesmente
ignorando-o.
Atividades de metaleitura são
necessárias na escola, mas devem ser vistas com muito cuidado, ou melhor, devem
responder aos objetivos previstos no trabalho escolar - "para quê?" é
a pergunta a ser sempre feita. Em geral, os professores pensam com elas motivar
o aluno à leitura. Mas serão de fato adequadas para alcançar tal objetivo?
Ao fim e ao cabo, tais atividades não consistem em fazer com que os jovens
leiam, mas em fazê-Ios refletir sobre os diversos aspectos da escrita:
organização da língua, história literária dos textos, estrutura dos textos
literários, etc. Todavia, quando os jovens não são ainda leitores (na nossa
escola, é essa a situação da maior parte dos alunos), é difícil fazê-Ios se
interessarem por atividades de metaleitura, além do que, se não leram os
textos, o trabalho apresenta-se inteiramente inútil, resultando em desinteresse
não só pelas atividades como pela própria leitura do texto, a qual lhes
parecerá apenas um pretexto para realizar exercícios enfadonhos.
Parece, portanto, necessário
motivá-Ios à leitura desses livros com atividades que tenham para os jovens uma
finalidade imediata e não necessariamente escolar (por exemplo, que o aluno se
reconheça como leitor, ou que veja nisso prazer, que encontre espaço
para compartilhar suas impressões de leitura com os colegas e com os
professores) e que tornem necessárias
as práticas da leitura. Tais atividades evitariam que o jovem lesse
unicamente porque a escola pede - o que é com freqüência visto como uma
obrigação. Ele lerá então porque se sentirá motivado a fazer algo que deseja e,
ao mesmo tempo, começará a construir um saber sobre o próprio gênero, a
levantar hipóteses de leitura, a perceber a repetição e as limitações do que
lê, os valores, as diferentes estratégias narrativas.
Os escritores pressupõem que seus leitores conhecem os gêneros e jogam
com esse conhecimento. Os mundos de ficção que nos propõem são moldados em
formas que (re)conhecemos facilmente: personagens, situações, cenários,
intrigas, modos de dizer, recursos, truques. Todo esse arsenal proporcionado
pelos gêneros é utilizado para criar ou frustrar expectativas, para satisfazer
e pacificar o leitor ou para surpreendê-lo e despertá-lo de velhos
encantamentos, propondo-lhe outros. Por isso mesmo, a familiaridade com os
gêneros permite ao leitor apreciar a habilidade de um escritor, seu gênio
composicional, as características e o rendimento particular de seu estilo. Sem
isso, dificilmente se produz um verdadeiro encontro entre autor e leitor;
dificilmente se estabelece um convívio amoroso. (RANGEL, 2003, p. 141-142).
Ora, trata-se, de início, de
conquistar esse leitor vítima, que se deixará então capturar pela leitura,
enredando-se na trama (no mais das vezes, não muito complexa) da história e
criando uma familiaridade com os diferentes enredos, pois, como diz Wanderley
Geraldi, não há leitura qualitativa no leitor de um livro só (1985, p. 87).
As escolhas anárquicas dos
adolescentes fora da escola, além de permitir essa formação do gosto, levam a
um conhecimento dos gêneros literários que deve ser considerado como base para
a didática da literatura na escola e pode contribuir para o planejamento de
atividades de reorientação de leitura, uma vez que a escola não é uma mera
extensão da vida pública, mas tem uma especificidade.
Entretanto, parece que a escola
tem sistematicamente desconsiderado essas práticas sociais de leitura,
produzindo-se nela um fenômeno que contraria seus objetivos mais claros, isto
é, obriga ao afastamento e à rejeição do aluno em relação ao texto literário,
"um veto à fruição na leitura e à formação do gosto literário, quando não
têm representado, pura e simplesmente, um desserviço à formação do
leitor..." (GERALDI, 1985, p.138). O ritmo de produção e de leitura é o da
produção em massa, tão rápido e intenso quanto descartável: descobre-se o
culpado e encerra-se a questão.
3.1.3 - Visão Sócio-Histórica
da Língua
Da mesma forma, tais fatores,
além de influenciar a maneira de o indivíduo realizar sua fala, também
determinam o modo como ele irá perceber, avaliar e julgar a variação, assim
como a sua própria fala.
O principal precursor dos estudos
sociolingüísticos é o americano William Labov. Seu modelo de análise surge como
uma reação à ausência do componente social no modelo gerativista. Seu primeiro
estudo foi em 1963, sobre o inglês falado na ilha de Martha's Vineyard, Estado
de Massachussets, EUA. A partir de então, vários outros estudos seguiram-se,
além de outros pesquisadores da área. No Brasil, por exemplo, há o estudo do
português falado nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo
Horizonte.
Com isso, desenvolveram-se o estudo
e o conhecimento das implicâncias que os fatores sociais/externos (tais como
classe social, nível de escolaridade, sexo, idade, situação de formalidade x
informalidade) têm na diversidade lingüística, e o quanto eles contribuem para
a mudança (predominância de uma variante em detrimento de outra). Foi,
portanto, a partir de Labov que se repensou a relação entre língua e sociedade
percebendo-se a variação como um fenômeno geral e universal, presente em todas
as línguas, passível de ser sistematizado.
Diante da diversidade e da
mudança lingüística, para entender melhor o funcionamento de uma língua, é
importante também que conheçamos a sua origem, sua história ao longo do tempo.
O fato de as línguas mudarem no
tempo é um fator importante que também a Sociolingüística considera para
validar a teoria da variação e defender o princípio de que não existe, de fato,
uma variedade lingüística que seja intrinsecamente melhor ou mais pura que
outra, como querem os gramáticos prescritivistas.
Com isso, é mais que fundamental
que se conheça a história da nossa língua. Em virtude do período das navegações
nos séculos XV e XVI, a língua portuguesa tornou-se um idioma presente na
África, América, Ásia e Europa, sendo falada por mais de 200 milhões de
pessoas. São cinco os períodos considerados:
Pré-românico;
Românico;
O galego-português;
O português arcaico;
O português moderno
Em Portugal, a colonização
portuguesa começou pelo litoral, a partir de 1532, com a instituição das
capitanias hereditárias. Nesse período, diversas comunidades da família Tupi e
Guarani habitavam o litoral brasileiro entre a Bahia e o Rio de Janeiro. Para
estabelecer contato com os nativos, os portugueses foram aprendendo os dialetos
e idiomas indígenas. A partir do tupinambá, falado pelos grupos mais abertos ao
contato com os colonizadores, criou-se uma língua geral comum a índios e
não-índios. Ela tornou-se língua geral na colônia, paralelamente ao português,
devido, sobretudo, aos jesuítas, que a estudaram e a documentaram para a
catequização dos índios. Em 1595, o padre José de Anchieta registrou-a em sua Arte
de gramática da língua mais usada na costa do Brasil. Essa língua geral
derivada do tupinambá foi a primeira influência recebida pelo idioma dos
portugueses no Brasil.
Após mais de dois séculos de
predominância da língua dos nativos, a ascensão do português no país começa a
se dar a partir da segunda metade do século XVIII. Em 17 de agosto de 1758, a
Língua Portuguesa torna-se idioma oficial do Brasil, através de um decreto do
Marquês de Pombal, que também proíbe o uso da língua geral. Tal medida foi
possível porque, nesse ínterim, o tupi já estava sendo suplantado pelo
português, em virtude da chegada de muitos imigrantes da metrópole. Com a
expulsão dos jesuítas, em 1759, o português fixou-se definitivamente como o
idioma do Brasil.
Segundo Dubois (1973, p.609),
variação é o fenômeno no qual, na prática corrente, uma língua determinada não
é jamais, numa época, num lugar e num grupo social dados, idêntica ao que ela é
noutra época, em outro lugar e em outro grupo social. Ou seja, é perceber que a
"língua é um organismo vivo", conforme já nos disse Saussure. Assim,
uma variável lingüística é caracterizada como forma alternante de se transmitir
um mesmo conteúdo.
Considerando, ainda, que a variação
estilística é uma realidade da qual os falantes não podem escapar, o desempenho
dos falantes em situações de diferentes graus de formalidade, permite a
observação de diferenças na norma culta, em correspondência a diferentes graus
de formalidade na elocução. Deve-se observar, ainda, que, considerando-se que
os falantes não escrevem como falam; a norma culta se desdobra em uma
modalidade oral e uma modalidade escrita.
Na variação diafásica, pode-se
estabelecer a hipótese de que o mesmo falante use as formas "andar"
ou "andá", ''fazer'' ou ''fazê'', apagando parte de palavras quando
está numa situação de bastante informalidade (por exemplo, numa conversa
familiar), diferentemente do que muito provavelmente faria numa situação de maior
formalidade - como em uma apresentação (FIORIN, 2002).
E síntese... Variação ou
variantes lingüísticos são as variações que uma língua apresenta de acordo com
as condições sociais, culturais, regionais e históricas em que é utilizada.
A Língua Portuguesa, no Brasil,
possui muitas variedades de dialetos. As pessoas são identificadas geográfica e
socialmente pela forma como falam. Mas há muitos preconceitos decorrentes do
valor social relativo que é atribuído aos diferentes modos de falar: é muito
comum se considerarem as variedades lingüísticas de menor prestígio como
inferiores ou erradas. É possível constatarmos isto na fala de Geraldi (1996)
"a intolerância lingüística é um dos comportamentos sociais mais
facilmente observáveis na sociedade".
A sociedade de que fazemos parte
não valoriza as diferenças mostrando-se preconceituosa e atrasada. Este
pensamento é reforçado por Gnerre (1985, p. 04) "uma variedade lingüística
vale o que vale na sociedade os seus falantes".
O problema do preconceito
disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado na
escola, como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o
respeito à diferença. Devemos levar em consideração o que é papel da escola e o
que não é quando tratamos da fala dos alunos.
"Não é papel da escola
ensinar o aluno a falar: isso é algo que a criança aprende muito antes da idade
escolar. Talvez por isso, a escola não tenha tomado para si a tarefa de ensinar
quaisquer usos e formas da língua oral. Quando o fez, foi de maneira
inadequada: tentou corrigir a fala "errada" dos alunos, com a
esperança de evitar que escrevem errado. Reforçou assim o preconceito contra
aqueles que falam diferente da variedade prestigiada (PCN, 1997,p.48)".
Sendo assim, o desenvolvimento da
capacidade oral do aluno depende consideravelmente de a escola construir-se num
ambiente que respeite e acolha a vez e a voz, a diferença e a diversidade.
Paulo Freire (1988), numa
manchete publicada pela Folha de São Paulo, atenta para o respeito que se deve
dar à variedade lingüística na escola. Segundo ele "a linguagem da criança
deve ser respeitada, o que não impede que ela aprenda a sintaxe
dominante". Para isso, e também para poder ensinar Língua Portuguesa, a
escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma
"certa" de falar - a que se parece com a escrita - e o de que a
escrita é o espelho da fala e sendo assim, seria preciso "consertar"
a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. Essas duas crenças
produziram uma prática de mutilação cultural que, além de desvalorizar a forma
de falar do aluno, tratando sua comunidade como se fosse formada por incapazes,
denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde
inteiramente a nenhum de seus dialetos, por mais prestígio que um deles tenha
em um dado momento histórico.
Para Labov (1963), "existem
fatores como idade, sexo, ocupação, origem étnica e atitude que influenciam o
comportamento lingüístico". Talvez isto justifique toda essa variedade de
falas e como disse Saussure (apud JOALÉDE , 2005, p. 28) "a língua é um
organismo vivo", assim, uma variável lingüística é caracterizada como
forma alternante de se transmitir o mesmo conteúdo.
Segundo Paulo Freire (1988),
"há a necessidade de mostrarmos aos nossos alunos o quanto sua linguagem é
bonita e gostosa, mas ao mesmo tempo mostrarmos também a verdade sobre a
importância de se conhecer a linguagem padrão". Para Fishman (1972, p.29)
"cada grupo social estabelece um contínuo de situações representados pela
formalidade e informalidade".
A questão não é falar certo ou
errado, mas saber qual forma de fala utilizar considerando as características
do contexto de comunicação. Segundo camacho (1978,p. 17) "os falantes
adequam suas formas de expressão às finalidades específicas do seu ato enunciativo”.
Não se deve corrigir a forma de
linguagem, mas sim a sua adequação às circunstâncias de uso, ou seja, a
utilização eficaz da linguagem: falar bem é falar adequadamente, é produzir o
efeito pretendido.
As instituições sociais fazem
diferentes usos da linguagem, então, cabe à escola ensinar o aluno a utilizá-Ia
nas mais diversas situações comunicativas, especialmente nas mais formais.
Sabe-se que todas as variedades
lingüísticas são corretas, desde que cumpram com eficiência o papel fundamental
de uma língua que é permitir a interação verbal entre as pessoas.
A linguagem pode ser formal/culta
ou informal/popular. Entende-se por formal a linguagem elaborada mais de acordo
com as normas gramaticais da língua, ela possui maior prestígio social, é a variedade
lingüística ensinada na escola, utilizada na maior parte dos livros e revistas
e também em textos científicos e didáticos, em alguns programas de televisão
etc. Já por linguagem informal, entender-se que é a mais espontânea, com
presença de gírias e expressões próprias da linguagem cotidiana, apresenta
desvios em relação às normas gramaticais, por exemplo, no emprego dos pronomes,
a mistura de pessoas verbais constitui um desvio em relação à gramática
normativa.
A linguagem formal apresenta
padrão lingüístico, maior prestígio social, é usada em situações de
formalidade, é usada por falantes cultos, a sintaxe é mais complexa e a ligação
com a gramática é maior do que é apresentada pela linguagem popular, que é
menos prestigiada socialmente, é usada em situações menos formais, é usada por
falantes do povo menos culto, o vocabulário é mais restrito, apresenta
sub-padrão lingüístico etc.
3.1.4 - Perspectiva Sócio-Política e Cultural da Linguagem
O estudo das correlações entre
linguagem, ideologia e poder
têm por objetos de estudo diferentes manifestações culturais - literatura,
narrativas, biografias, sermões, causos, canções, trovas entre outros -
veiculadas por múltiplos suportes nas modalidades orais e escritas - livros,
jornal, rádio, televisão, sermão e tertúlia em centros de tradição, rodas de
canto, rodas de causo, igrejas entre outros - e seus contextos de produção
históricos, sociais e políticos, com suas diferentes valorações sociais.
E não só a escrita não teria
razão de ser. Na ausência da linguagem, certamente não teríamos como conservar
nem mesmo o primeiro fogo que um homem desconhecido, numa data ignorada, roubou
de um incêndio natural. Ninguém saberia dizer como esse fogo ancestral, pilhado
de um incêndio, foi conservado como uma tocha olímpica varando a noite dos
tempos. Ainda hoje, essa chama ancestral pode avivar fogueiras de aborígenes
ou, até recentemente, ter sobrevivido no frio extremo da Sibéria.
A natureza do fogo, como a da
linguagem, não permite que se possa obter dele um registro fossilizado. O que
os arqueólogos encontram, com alguma freqüência, caso da Serra da Capivara, no
Sul do Piauí, ou em Monte Verde, no Sudeste do Chile, são restos de fogueiras
antigas. Mas esse é um outro achado, onde o fogo se extinguiu ou de onde foi
retirado. São ocorrências próximas, o que não significa que sejam a mesma
coisa.
Da mesma forma que o fogo, todo
ele emanado de um fogo só, que um dia acendeu o Universo ao manifestar-se com
sua natureza dupla de matéria/energia, a linguagem deve ter emanado de uma
fonte única: o homem.
Os estudos sobre a comunicação
intercultural vêm buscando uma resposta para a dúvida de como as pessoas
conseguem compreender umas às outras, quando não possuem as mesmas experiências
culturais. Aspectos relevantes de uma cultura podem facilitar o aprimoramento
da competência intercultural de um falante, já que somente a aprendizagem de
estruturas lingüísticas não é sinônimo de sucesso para essa compreensão.
A cultura norte-americana, por
exemplo, é marcada por uma diretividade no tratamento interpessoal. Eles são
informais, espontâneos e usam o mesmo tipo de tratamento com diferentes
pessoas. Para os americanos, ser formal é fazer uso de complexos métodos de
tratamento e rituais, que são encontrados em outras culturas, refletindo a
respectiva sociedade, como a japonesa (Stewart & Bennett, 1991).
Contudo, quando comparados aos brasileiros, eles são mais distantes em seus
eventos comunicativos.
Percebe-se, diante dessa breve
comparação, que língua e cultura são dois instrumentos inseparáveis. A língua é
um instrumento vivo e constantemente em desenvolvimento. Diariamente, ela sofre
influência da cultura, da política e da sociedade, seja na escrita ou na fala,
"(...) dificilmente língua e cultura podem ser separadas. Consideramos que
a língua é um dos sistemas de expressão de uma cultura e que diferentes línguas
apresentam preferências que são influenciadas pela cultura" (Grabe &
Kaplan, 1989, apud Oliveira, 2000, p. 50)
Esta afirmação é claramente
observada na língua falada, que não pode ser controlada como a língua escrita.
Não é a língua que determina o comportamento de seus falantes, mas exatamente o
contrário, ou seja, esse comportamento é que pode influenciar o uso dela.
A aprovação da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional, em 1996, definiu os novos princípios legais e
pedagógicos, fomentando uma reflexão sobre o currículo, a organização e gestão
das diferentes instituições de ensino da educação brasileira. Nesse contexto
surgiram os Parâmetros Curriculares Nacionais e a nova Reorientação Curricular
para o Ensino Médio e Fundamental 2° Segmento da Secretaria Estadual de
Educação cujos princípios pedagógicos e filosóficos norteiam nossa prática
educativa e proposta curricular.
Assim, levando-se em conta a
mudança da realidade educacional em que estamos inseridos, é preciso reverter a
hegemonia de certos procedimentos pedagógico/culturais que embasam currículos,
ementas e programas de Letras em nosso país, observando-se a necessidade de
fomentar a educação escolar não como justaposição de etapas fragmentadas, mas
em perspectiva de continuidade.
Assim, a relação dialógica entre
a Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio permite a todo cidadão -
criança, jovem, adulto - a oportunidade e o desenvolvimento de capacidades ao
longo da vida mediatizadas pela escola. As discussões realizadas devem se
pautar pela demarcação da referencialidade, conforme expõe Danilo Gandin:
Compreender-se como integrante de
uma realidade mais ampla;
Projeção de uma proposta
sócio-política;
Realização de um processo técnico
específico do campo de ação.
As discussões conjuntas nos
auxiliam na compreensão do processo da ação educativa, permitindo-nos criar
estratégias, no âmbito de nossa competência, para tentar reverter o quadro
caótico que se apresenta: um enfoque mais preciso nas competências a serem
desenvolvidas na Educação Básica, de forma que os conteúdos curriculares
constituam meios reais para o desenvolvimento das capacidades: flexibilização,
descentralização e autonomia da escola associadas à permanente tarefa
pedagógica como um todo.
Os Parâmetros Curriculares
Nacionais indicam, como eixos norteadores de uma educação de qualidade, que o
educando desenvolva competências e habilidades ao final de cada etapa de
escolarização, sendo capaz de:
Compreender a cidadania como
participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres
políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade,
cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o
mesmo respeito;
Posicionar-se de maneira crítica,
responsável e construtiva nas situações sociais, utilizando o diálogo como
forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas;
Conhecer características
fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais como meio
para construir progressivamente a noção de identidade nacional;
Conhecer e valorizar a
pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, assim como de outros povos
e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação;
Perceber-se integrante,
dependente e agente transformador do ambiente;
Conhecer o próprio corpo e dele
cuidar, valorizando e adotando hábitos saudáveis como um dos aspectos básicos
da qualidade de vida, fomentando a saúde coletiva;
Utilizar as diferentes
linguagens, fontes de informação e recursos tecnológicos como meio para
produzir, expressar e comunicar idéias, atendendo a diferentes intenções e
situações de comunicação;
Questionar a realidade,
utilizando o pensamento lógico, a criatividade, a análise crítica.
Cada uma dessas competências
caracteriza o uso da Língua e da Linguagem como um meio de emancipação do
sujeito, estando este, inserido em um contexto social, político, econômico e
cultural. Assim, o mesmo poderá agir de forma critica, criativa e autônoma
diante das situações por ele vivenciadas de modo a contribuir ativamente com as
transformações da sociedade.
A emergência de dispositivos
legais e orientações curriculares que constituíram as Políticas Públicas
Educacionais, na década de 1990, voltadas para práticas pedagógicas de cariz
multicultural, sobretudo aquelas que dizem respeito aos afro-descendentes,
contribuíram para estabelecer novos enfoques para a dinâmica educacional
brasileira.
Tais enfoques têm como
pressupostos básicos o respeito à diversidade buscando a "superação de
mecanismos que exclui e segrega o 'outro' que possui identidades sociais
diferenciadas e não correspondentes à normalidade do 'sujeito do iluminismo'
caracterizado, sobretudo por ser branco, cristão, europeu e heterossexual"
(SILVA, 2004:13). Apreender os potenciais de inclusão da cultura negra nas
políticas educacionais brasileiras e sua materialização no cotidiano escolar é
o que se propõe este trabalho.
Portanto, o arcabouço
jurídico-normativo e as relações raciais na escola configuraram como variáveis
destacadas nestas análises, por meio das seguintes inquietações que permearam
essa pesquisa puderam ser manifestadas por meio das seguintes indagações: quais
as mediações e nexos entre as Políticas Públicas Educacionais implementadas na
década de 1990 que procuram dar ênfase à questão negra e o currículo escolar?
Qual o enfoque do multiculturalismo predominante nas políticas educacionais e
como se materializam na escola?
Estudos questionam como o
ambiente multiétnico formador da escola brasileira tem passado desapercebido
por suas práticas cotidianas. Percebe-se a emergência de vários debates sobre a
importância do currículo enquanto um dispositivo pedagógico de organização da
dinâmica escolar e sobre como esse dispositivo seletivo tem ignorado a
diversidade e priorizado suas características hegemônicas e igualitárias,
herdadas de conceitos de verdade das metanarrativas da modernidade.
A idéia de Brasil como país
monolíngüe ainda é extremamente veiculada, seja pela escola, seja pelas
instituições sociais, políticas ou religiosas, seja pela mídia. A aceitação de
um Brasil monolíngüe gera um grave problema, "pois na medida em que não se
reconhecem os problemas de comunicação entre falantes de diferentes variedades
da língua, nada se faz também para resolvê-Ios" (Bortoni..Hicardo, 1984).
Paradoxalmente, com tantas referências aos povos indígenas na imprensa devido à
comemoração dos "500 anos de Brasil", ainda nos esquecemos das
línguas indígenas. Também não levamos em conta as variantes do português em
contato com idiomas estrangeiros nas colônias de imigrantes.
Por fim, não são consideradas todas as
variantes lingüísticas do português, sejam regionais ou sociais. Ainda dá status
falar "corretamente", na idéia ingênua de que a língua dita culta
é uma ponte para a ascensão social. Quem não domina a variante padrão é
marginalizado/a e ridicularizado/a: na hora de preencher uma vaga profissional,
num concurso vestibular, numa situação de conferência, na escola. Esse variante
padrão, no entanto, é reservada a uma ínfima parte da população brasileira (a
mesma que detém o poder econômico e político). Não é difícil perceber que o
modo de falar "correto" é aquele dessa elite e que o modo
"errado" é vinculado a grupos de desprestígio social.
Conforme Marcos Bagno (1999) há,
no Brasil, uma "mitologia" do preconceito lingüístico, que prejudica
toda a nossa educação e nossa formação enquanto cidadãos para além de um termo
teórico. Bagno enumera oito mitos que, no conjunto, servem para solidificar e
transmitir a visão (essa sim, errada) de que o Brasil apresenta uma unidade
lingüística e que são os/as brasileiros/as que não sabem falar português
corretamente (portanto, não há dialetos, variantes, mas sim deformações do
português).
Do ponto de vista científico,
tais afirmações chegam a ser ridículas e só conseguimos defendê-Ias a partir de
argumentos como: "é certo falar/escrever assim porque assim ensina a
Gramática", "é correto isso porque em Portugal se faz dessa maneira",
"essa forma é feia, não soa bem, não é de bom tom". A eleição de uma
variedade "culta", padrão tem a ver com causas políticas e
históricas, não lingüísticas. Ao estudar com seriedade e sem preconceitos a
língua, o que percebemos é que todas as variantes são "corretas", que
todos sabem gramática e que há regularidades no que se convencionou chamar de
"erro" gramatical.
Outro equívoco que contribui para
a disseminação do preconceito lingüístico é restringir à gramática o ensino da
língua. Cada vez mais acredita-se que o domínio da gramática normativa garante
leitores/escritores críticos e ativos. Essa falsa noção é largamente difundida,
tanto na escola, como em inúmeros manuais "inovadores", colunas de
jornais e programas de rádio e televisão. Não é preciso muita investigação
científica para desmistificar tal noção. Ao descrever seu objeto de estudo, os
gramáticos têm a falsa idéia de que o compreenderam. Exclui-se, dessa forma,
todas as variáveis que interpelam a linguagem e a constituem (fatores
biológicos, sociais, históricos, políticos, culturais, afetivos etc.).
O preconceito lingüístico acaba
sendo mais uma arma daqueles que mantêm o poder em suas mãos. A marginalização
lingüística restringe o acesso a documentos vitais ao cidadão, como a
constituição e os contratos. A cidadã ou o cidadão que não domina a variedade
padrão está privado de seus direitos (será que podemos, então, considerá-Ia/o
como cidadã/o?).
Baseando-se nesta realidade
detectada, a Lei 10.639/03 surgiu para levar as escolas a inserir nos conteúdos
curriculares a História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil,
a cultura negra brasileira e a importância do negro na formação da sociedade
brasileira, principalmente nas áreas de História do Brasil, Literatura e
Educação Artística.
Porém, para que isso se torne
realidade, é necessário preparar os professores para ministrar estes conteúdos
e é isso que este curso propõe.
O momento do planejamento escolar
necessita trazer à tona uma discussão de extrema relevância: a educação e a
diversidade étnico-racial. O Brasil, por ser um país multirracial com uma
grande diversidade de culturas, deve atentar para um esforço coletivo em torno
de uma coesão social e no reconhecimento de todas as culturas que aqui estão
como legítimas, diferentes e iguais perante a lei.
Esse esforço coletivo deve
começar dentro da sala de aula, levando os alunos a perceberem como é
importante conviver com as diferenças, sem hierarquizá-Ias, reconhecendo que a
cultura brasileira é fruto da contribuição de diversos grupos. Trabalhar a
interculturalidade e mostrar como a diversidade cultural tem contribuído para a
formação de nossa sociedade é um importante passo para demonstrar que há
integração. Assim, o conteúdo programático proposto nestes documentos inclui o
estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional. Os
conteúdos devem ser ministrados, em especial, nas áreas de Educação Artística,
Literatura e História.
É importante ressaltar que a
legislação acima citada não fala da inclusão de uma disciplina, mas segundo o
próprio Parecer "trata, ele, de política curricular, fundamentada em
dimensões históricas, sociais, antropológicas oriundas da realidade brasileira,
e busca combater o racismo e as discriminações que atingem particularmente os
negros".
Nesta perspectiva, propõe a
divulgação e produção de conhecimentos, a formação de atitudes, posturas e
valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial -
descendentes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de
asiáticos - para interagirem na construção de uma nação democrática, em que
todos igualmente, tenham seus direitos garantidos e sua identidade
valorizada".
É necessário, portanto, planejar
atividades educativas e pedagógicas que busquem enfrentar a questão da
discriminação, contribuindo na construção de uma outra perspectiva que enfrente
e acolha as diferenças e diversidades e assim, avançar na discussão de um
projeto pedagógico que incorpore, reconheça e valorize a presença africana na
construção de nossa nação.
3.1.5 - Literatura e
Expressões Identitárias
Woodward (2003, p.13) afirma que,
"com freqüência, a identidade envolve reivindicações essencialistas sobre
quem pertence e quem não pertence a um determinado grupo identitário, nas quais
a identidade é vista como fixa e imutável".
O sentimento de pertencimento e
permanência é o pressuposto básico para a construção da identidade individual,
ao se referir aos grupos a que pretende fazer parte. No entanto, ver a
identidade como fixa e imutável corresponde apenas a uma estratégia para tentar
formar nas consciências a sensação de homogeneidade que, na verdade, não
corresponde mais ao conceito pós-moderno de identidade, devido aos processos de
hibridização cultural.
As identidades estão em constante
processo de formação a depender dos fatores sociais que agem sobre os
indivíduos. Daí a concepção do termo "identificação", uma vez que, à
medida que esses fatores - 'as interpelações dos sistemas culturais' - se
apresentam, as pessoas se identificam de acordo com cada circunstância. Os
processos que desencadeiam as identificações são múltiplos e por isso geram uma
dinâmica favorável a não fixação permanente das identidades.
A identidade, de acordo com sua
concepção pós-moderna e enquanto resultado das atribuições culturais, é vista
como uma manifestação muito mais flexível, uma vez que tem sido mais difícil a
tarefa de se situar num ambiente mediado e formado por uma constante
hibridização cultural (Canclini, 2003).
Os sujeitos passam a assumir
diversas identidades que não existem mais como algo unificado, mas que
respondem a momentos específicos e a contextos diversificados. Daí a
necessidade de se formular estratégias que permitam que, mesmo com a
hibridização das culturas e formação múltipla das identidades, sejam
construídos aspectos que reúnam os indivíduos em categorias de acordo com
algumas características comuns ao grupo e que permitam que esses se sintam como
parte de um todo. Deve-se encontrar, portanto, formas de se costurar as
diferenças decorrentes das várias identificações, a fim de constituir uma certa
homogeneidade capaz de classificar os indivíduos segundo particularidades que
os definam.
Para Hall, uma forma de
unificá-Ias tem sido a de representá-Ias como a expressão da cultura subjacente
de 'um único povo'. A etnia é o termo que utilizamos para nos referirmos às
características culturais - língua, religião, costume, tradições, sentimento de
'lugar' - que são partilhados por um povo (2005, p. 62).
Essas classificações acerca das
caracterizações do povo são fundamentais para gerar um agrupamento em torno dos
mesmos aspectos culturais que promoverão as impressões de homogeneidade. A
unicidade mostra-se aí como uma marca que reúne os requisitos que cada
indivíduo deve conter para que nasça a sensação de pertencimento.
Perceber a identidade como
processo que emerge de atributos culturais é crucial, portanto, para a
compreensão do papel que as representações têm na edificação dos sentidos que
compõem as identidades. Assim, é possível dizer que só a partir da
representação será possível conceituar a identidade nacional explicando a sua
importância nas sociedades contemporâneas, nos domínios cultural e social.
Nesse contexto, a cultura, enquanto
expressão da produção de bens simbólicos que definem as identidades surge como
uma síntese de representações capazes de produzir as identificações dos
sujeitos com o meio no qual está inserido.
Dessa forma, a literatura adquire
o status de representação identitária cujo funcionamento age como fonte de
significados e suscita a abordagem dos aspectos culturais da sociedade a que se
refere. A partir dessa abordagem pode-se inferir que a construção de traços
característicos que compõem as identidades são provenientes das representações
que abarcam e sintetizam os elementos da cultura.
A representação literária
estudada, por exemplo, apresenta o potencial de retratar com grande riqueza os
aspectos da cultura regional, permitindo que a identidade seja consolidada a
partir de sua dimensão local.
Mas de que forma a literatura se
constrói como uma força identitária? Antes que se perceba imerso numa cultura
universal, na qual se experimenta um contato mais íntimo com outros ambientes
culturais, o sujeito precisa se centrar num contexto local para encontrar os
referenciais que interferem de forma mais contundente na sua individualidade:
"Ter uma identidade seria, antes de mais nada, ter um país, uma cidade ou
um bairro, uma entidade em que tudo o que é compartilhado pelos que habitam
esse lugar se tornasse idêntico ou intercambiável" (Canclini, 2003, p.
190).
3.1.6 - As Tecnologias
de Informação e Comunicação no processo de formação do professor de Línguas.
As rápidas e ininterruptas
transformações nas concepções de ciência aliadas à vertiginosa evolução e
utilização das tecnologias trazem novos e complexos desafios à educação e a
seus profissionais, evidenciando a necessidade de formação continuada e ao
longo da vida, utilizando para tanto todos os meios e recursos disponíveis.
A Internet, as redes, o celular,
a multimídia estão revolucionando nossa vida no cotidiano. Cada vez resolvemos
mais problemas conectados, a distância. Na educação, porém, sempre colocamos
dificuldades para a mudança, sempre achamos justificativas para a inércia ou
vamos mudando mais os equipamentos do que os procedimentos. A educação de
milhões de pessoas não pode ser mantida na prisão, na asfixia e na monotonia em
que se encontra. Está muito engessada, previsível, cansativa.
As tecnologias são só apoio,
meios. Mas elas nos permitem realizar atividades de aprendizagem de formas
diferentes às de antes. Podemos aprender estando juntos em lugares distantes, sem precisamos
estar sempre juntos numa sala para que isso aconteça.
Muitos expressam seu receio de
que o virtual e as atividades à distância sejam um pretexto para baixar o nível
de ensino, para aligeirar a aprendizagem. Tudo depende de como for feito. A
qualidade não acontece só por estarmos juntos num mesmo lugar, mas por estabelecermos
ações que facilitem a aprendizagem. A escola continua sendo uma referência
importante. Ir até ela ajuda a definir uma situação oficial de aprendiz, a
conhecer outros colegas, a aprender a conviver. Mas, pela inércia diante de
tantas mudanças sociais, ela está se convertendo em um lugar de confinamento,
retrógrado e pouco estimulante.
O conviver virtual vai tornar-se
quase tão importante como o conviver presenciaI. A escola precisa de uma
sacudida, de um choque, de arejamento. Isso se consegue com uma gestão
administrativa e pedagógica mais flexível, com tempos e espaços menos
predeterminados, com modos de acesso a pesquisa e de desenvolvimento de
atividades mais dinâmicas.
Passando pelos corredores das
salas das universidades, o que se vê é quase sempre uma pessoa falando e uma
classe cheia de alunos semi-atentos (na melhor das hipóteses). A infra-estrutura
é deprimente. Salas barulhentas, a voz do professor mal chega aos que estão
mais distantes. Conseguir um datashow na maioria delas é uma tarefa inglória.
Muitas vezes existe um único equipamento para um prédio inteiro.
É hora de partir para soluções
mais adequadas para o aluno de hoje. Os adultos mantemos o status quo, em nome
da qualidade, mas na verdade nos apavoramos diante da mudança, do risco do fracasso.
Mas o fracasso não está bem na nossa frente? Quantos alunos iriam a nossas
aulas se não fossem obrigados? Há maior fracasso do que este?
A escola pode ser um espaço de
inovação, de experimentação saudável de novos caminhos. Não precisamos romper com
tudo, mas implementar mudanças e supervisioná-Ias com equilíbrio e maturidade.
Manter o currículo e as normas,
tal como estão, na prática é insustentável. As secretarias de educação precisam
ser mais proativas e incentivar mudanças, flexibilização, criatividade.
Professores, alunos e
administradores podem avançar muito mais em organizar currículos mais
flexíveis, aulas diferentes. A rotina, a repetição, a previsibilidade é uma
arma letal para a aprendizagem. A monotonia da repetição esteriliza a motivação
dos alunos.
São muitos os recursos a nossa
disposição para aprender e para ensinar. A chegada da Internet, dos programas
que gerenciam grupos e possibilitam a publicação de materiais estão trazendo
possibilidades inimagináveis vinte anos atrás. A resposta dada até agora ainda
é muito tímida, deixada a critério de cada professor, sem uma política
institucional mais ousada, corajosa, incentivadora de mudanças. Está mais do
que na hora de evoluir, modificar nossas propostas, aprender fazendo.
Hoje obrigamos os alunos a ir a
um local para aprender. Em determinados momentos isso é um contra-senso. O
importante é que gostem de aprender de várias formas, motivados, utilizando as
potencialidades de estar juntos e de estar em rede. Os alunos gostam da comunicação
online, da pesquisa instantânea, de tudo o que acontece just in time, naquele
momento. As salas de aula precisam estar equipadas com acesso a Internet para
mostrar rapidamente o resultado de uma pesquisa em tempo real na sala. Os
alunos necessitam de mais laboratórios conectados, principalmente os mais
carentes, sem esse acesso em casa.
Todos os que estão envolvidos em
educação precisam conversar, planejar e executar ações pedagógicas inovadoras,
com a devida cautela, aos poucos, mas firmes e sinalizando mudanças. Sempre
haverá professores que não querem mudar, mas uma grande parte deles está
esperando novos caminhos, o que vale a pena fazer. Se não os experimentamos,
como vamos aprender?
Não basta tentar remendos com as
atuais tecnologias. Temos quer fazer muitas coisas diferentemente. É hora de
mudar de verdade e vale a pena fazê-Ia logo, chamando os que estão dispostos,
incentivando-os de todas as formas - entre elas a financeira - dando tempo para
que as experiências se consolidem e avaliando com equilíbrio o que está dando
certo. Precisamos trocar experiências, propostas, resultados.
O uso da tecnologia de informação
e comunicação (TIC) na escola carrega em si mesmo as contradições da sociedade
contemporânea. De um lado, dados do IBGE (1999) apontam 13,3% de analfabetos
com idade de 15 ou mais anos e média de 5,7 anos de estudos para pessoas de 10
ou mais anos de idade. Ressalta-se, ainda, a preocupação com os altos índices
de analfabetos funcionais, considerados pelo IBGE como as pessoas que não completaram
as quatro primeiras séries do Ensino Fundamental. Por outro lado, o mundo
digital invade nossas vidas e torna-se imperioso inserir-se na sociedade do
conhecimento. Como superar essa contradição? Como participar da sociedade do
conhecimento e, ao mesmo tempo, ajudar a diminuir esses índices que nos deixam
abaixo de diversos países, inclusive os da América Latina?
Como criar redes de
conhecimentos? O que significa aprender quando se trabalha com redes de
conhecimentos? Como inserir o uso de redes de conhecimentos na escola? O que
cabe ao educador nessa criação?
A metáfora de rede considera o
conhecimento como uma construção decorrente das interações do homem com o meio.
À medida que o homem interage com o contexto e com os objetos aí existentes,
ele atua sobre esses objetos, retira informações que lhe são significativas,
identifica esses objetos e os incorpora à sua rede, transformando o meio e
sendo transformado por ele.
O uso da TIC na criação de rede
de conhecimentos traz subjacente a provisoriedade e a transitoriedade do
conhecimento, cujos conceitos articulados constituem os nós dessa rede,
flexível e sempre aberta a novas conexões, as quais favorecem compreender
"problemas globais e fundamentais para neles inserir os conhecimentos
parciais e locais" (Morin, 2000, p. 14).
Com o uso da TIC e da Internet,
pode-se navegar livremente pelos hipertextos de forma não seqüencial, sem uma
trajetória predefinida, estabelecer múltiplas conexões, tornar-se mais
participativo, comunicativo e criativo, libertar-se da distribuição homogênea
de informações e assumir a comunicação multidirecional com vistas a tecer a
própria rede de conhecimentos.
As conexões dessa rede surgem sem
determinações precisas, incorporam o acaso, a indeterminação, a diversidade, a
ambigüidade e a incerteza (Morin, 1996). Trata-se de uma constante abertura a
novas interações, desafio de apreender a realidade em sua complexidade, em
busca de compreender as múltiplas dimensões das situações que são enfrentadas,
estabelecer vínculos (ligações) entre essas dimensões, conectá-Ias com o que já
conhece (nós), representá-Ias, ampliá-Ias e transformá-Ias tendo em vista
melhorar a qualidade de vida.
Na rede, aprender é descobrir
significados, elaborar novas sínteses e criar elos (nós e ligações) entre parte
e todo, unidade e diversidade, razão e emoção, individual e global, advindos da
investigação sobre dúvidas temporárias, cuja compreensão leva ao levantamento
de certezas provisórias ou a novos questionamentos (Fagundes, 1999)
relacionados com a realidade.
O homem apreende a realidade por
meio de uma rede de colaboração na qual cada ser ajuda o outro a denvolver-se,
ao mesmo tempo que também se desenvolve. Todos aprendem juntos e em
colaboração. "Ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si
mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados
pelo mundo" (Freire, 1993, p. 9)
Aprender em um processo
colaborativo é planejar; desenvolver ações; receber, selecionar e enviar
informes: estabelecer conexões; refletir sobre o processo em desenvolvimento em
conjunto com os pares; desenvolver a interaprendizagem, a competência de
resolver problemas em grupo e a autonomia em relação à busca e ao fazer por si
mesmo (Silva, 2000). As informações são selecionadas, organizadas e
contextualizadas segundo as necessidades e os interesses momentâneos do grupo,
permitindo estabelecer múltiplas e mútuas relações, atribuindo-Ihes um novo
sentido, que ultrapassa a compreensão individual.
O grupo que trabalha em
colaboração é autor e condutor do processo de interação e criação. Cada membro
desse grupo é responsável pela própria aprendizagem e co-responsável pelo
desenvolvimento do grupo.
Por meio de interações
favorecidas pela TIC, cada participante do grupo confronta sua unidade de pensamento
com a universalidade grupal, navega entre informações para estabelecer ligações
com conhecimentos já adquiridos, comunica a forma como pensa, coloca-se aberto
para compreender o pensamento do outro e, sobretudo, participa de um processo
de construção colaborativo, cujos produtos decorrem da representação
hipertextual, comunicação, conexão de idéias no computador, levantamento e
teste de hipóteses, reflexões e depurações.
Nessa abordagem, a educação é
concebida como um sistema aberto, "com mecanismos de participação e descentralização
flexíveis, com regras de controle discutidas pela comunidade e decisões tomadas
por grupos interdisciplinares" (Moraes, 1997, p. 68)
Assim, as interações entre as
pessoas que se envolvem na criação dos nós de suas redes de conhecimento propiciam
as trocas individuais e a constituição de grupos que interagem, pesquisam e
criam produtos ao mesmo tempo que se desenvolvem. Cada ser retira do hipertexto
as informações que lhe são mais pertinentes, internaliza-as, apropria-se delas
e transforma-as em uma nova representação hipertextual; ao mesmo tempo que se
transforma, volta a agir no grupo transformado-se e transformando o grupo.
Redefine-se o papel do professor:
"mais do que ensinar, trata-se de fazer aprender (...), concentrando-se na
criação, na gestão e na regulação das situações de aprendizagem"
(Perrenoud, 2000, p. 139), cuja mediação propicia a aprendizagem significativa
aos grupos e a cada aluno. Dessa forma, pode-se mobilizar os alunos para a
investigação e a problematização, alicerçados no desenvolvimento de projetos,
na solução de problemas, nas reflexões individuais e coletivas, nos quais a
interação e a colaboração subsidiam a representação hipertextual do
conhecimento.
Ensinar é organizar situações de
aprendizagem, criando condições que favoreçam a compreensão da complexidade do
mundo, do contexto, do grupo, do ser humano e da própria identidade. Diz
respeito a levantar ou incentivar a identificação de temas ou problemas de
investigação, discutir sua importância, possibilitar a articulação entre
diferentes pontos de vista, reconhecer distintos caminhos a seguir na busca de
sua compreensão ou solução, negociar redefinições, incentivar a busca de
distintas fontes de informações ou fornecer informações relevantes, favorecer a
elaboração de conteúdos e a formalização de conceitos que propiciem a
aprendizagem significativa.
Criar ambientes de aprendizagem
com a presença da TIC significa utilizá-Ia para a representação, a articulação
entre pensamentos, a realização de ações, o desenvolvimento de reflexões que
questionam constantemente as ações e as submetem a uma avaliação contínua.
O professor que associa a TIC aos
métodos ativos de aprendizagem desenvolve a habilidade técnica relacionada ao
domínio da tecnologia e, sobretudo, articula esse domínio com a prática
pedagógica e com as teorias educacionais que o auxiliem a refletir sobre a
própria prática e a transformá-Ia, visando explorar as potencialidades
pedagógicas da TIC em relação à aprendizagem e à conseqüente constituição de
redes de conhecimentos.
A aprendizagem é um processo de
construção do aluno - autor de sua aprendizagem -, mas nesse processo o
professor, além de criar ambientes que favoreçam a participação, a comunicação,
a interação e o confronto de idéias dos alunos, também tem sua autoria. Cabe ao
professor promover o desenvolvimento de atividades que provoquem o envolvimento
e a livre participação do aluno, assim como a interação que gera a co-autoria e
a articulação entre informações e conhecimentos, com vistas a construir novos
conhecimentos que levem à compreensão do mundo e à atuação crítica no contexto.
O professor atua como mediador,
facilitador, incentivador, desafiador, investigador do conhecimento, da própria
prática e da aprendizagem individual e grupal. Ao mesmo tempo em que exerce sua
autoria, o professor coloca-se como parceiro dos alunos, respeita-lhes o estilo
de trabalho, a co-autoria e os caminhos adotados em seu processo evolutivo. Os
alunos constroem o conhecimento por meio da exploração, da navegação, da comunicação,
da troca, da representação, da criação/recriação, organização/ reorganização,
ligação/religação, transformação e elaboração/reelaboração.
A incorporação da TIC na escola
favorece a criação de redes individuais de significados e a constituição de uma
comunidade de aprendizagem que cria sua própria rede virtual de interação e
colaboração, caracterizada por avanços e recuos num movimento não linear de
interconexões em um espaço complexo, que conduz ao desenvolvimento humano,
educacional, social e cultural.
O movimento produzido pelo pensar
em redes de conhecimento propicia ultrapassar as paredes da sala de aula e os
muros da escola, rompendo com as amarras do estoque de informações contidas nas
grades de programação de conteúdo. Dessa forma, parcela significativa desse
contingente de analfabetos (de fato ou funcionais) poderá desenvolver a
capacidade de utilizar a TIC na criação de suas redes de conhecimento,
superando um grande obstáculo para a construção de uma sociedade mais justa,
ética e humanitária.
Para incorporar a TIC na escola,
é preciso ousar, vencer desafios, articular saberes, tecer continuamente a
rede, criando e desatando novos nós conceituais que se inter-relacionam com a
integração de diferentes tecnologias, com a linguagem hipermídia, as teorias
educacionais, a aprendizagem do aluno, a prática do educador e a construção da
mudança em sua prática, na escola e na sociedade. Essa mudança torna-se
possível ao propiciar ao educador o domínio da TIC e o uso desta para
inserir-se no contexto e no mundo, representar, interagir, refletir,
compreender e atuar na melhoria de processos e produções, transformando-se e
transformando-os.
Na perspectiva da interatividade,
o professor pode deixar de ser um transmissor de saberes para converter-se em
formulador de problemas, provocador de interrogações, coordenador de equipes de
trabalho, sistematizador de experiências e memória viva de uma educação que, em
lugar de prender-se à transmissão, valoriza e possibilita o diálogo e a
colaboração. Os fundamentos da interatividade podem ser encontrados em sua
complexidade nas disposições da mídia on-line. São três basicamente: a)
participação - intervenção: participar não é apenas responder "sim"
ou "não" ou escolher uma opção dada, significa modificar a mensagem;
b) bidirecionalidade - hibridação: a comunicação é produção conjunta da emissão
e da recepção, é co-criação, os dois pólos codificam e decodificam: c)
permutabilidade - potencialidade: a comunicação supõe múltiplas redes
articulatórias de conexões e liberdade de trocas, associações e significações
(cf. Silva, 2003, p. 100-155).
Esses fundamentos revelam o
sentido não banalizado da interatividade e inspiram o rompimento com o
falar-ditar do mestre. Eles podem modificar o modelo da transmissão abrindo
espaço para o exercício da participação genuína, isto é, participação
sensório-corporal e semântica e não apenas mecânica.
Interatividade é a modalidade
comunicacional que ganha centralidade na cibercultura. Exprime a
disponibilização consciente de um mais comunicacional de modo expressamente
complexo presente na mensagem e previsto pelo emissor, que abre ao receptor
possibilidades de responder ao sistema de expressão e de dialogar com ele.
Representa um grande salto qualitativo em relação ao modo de comunicação de
massa que prevaleceu até o final do século xx. O modo de comunicação interativa
ameaça a lógica unívoca da mídia de massa, oxalá como superação do
constrangimento da recepção passiva.
Na cibercultura, ocorre a
transição da lógica da distribuição (transmissão) para a lógica da comunicação
(interatividade). Isso significa modificação radical no esquema clássico da
informação baseado na ligação unilateral emissor - mensagem - receptor: a) o
emissor não emite mais, no sentido que se entende habitualmente, uma mensagem
fechada, oferece um leque de elementos e possibilidades à manipulação do
receptor; b) a mensagem não é mais "emitida", não é mais um mundo
fechado, paralisado, imutável, intocável, sagrado, é um mundo aberto,
modificável na medida em que responde às solicitações daquele que a consulta;
c) o receptor não está mais em posição de recepção clássica, é convidado à
livre criação, e a mensagem ganha sentido sob sua intervenção.
A Revolução Industrial evoluiu
para a revolução tecnológica, que traz contribuições significativas para a
humanidade. Acredita-se que o grande avanço da era tecnológica foi provocar a
geração da rede informatizada. Assim, a era da informação passa a permitir o
contato rápido entre as pessoas e auxilia significativamente o movimento de
globalização. Se por um lado essa revolução trouxe processos de avanço e
desenvolvimento, por outro apresentou a tecnologia num sistema capitalista, que
levou à massificação e a um comprometimento da visão de homem e da visão de
mundo. A educação, em todos os níveis de ensino e de modalidades, ainda está
fortemente impregnada do pensamento conservador newtoniano-cartesiano,
demorando a absorver as mudanças geradas pela revolução tecnológica. Grande
número de professores apresenta a tecnologia como a utilização de técnica pela
técnica, na busca da eficiência e da eficácia, das verdades absolutas e
inquestionáveis e das evidências concretas. Nesse processo, a sociedade
capitalista, com uma visão racionalista e positivista, tem permitido o
acirramento das desigualdades sociais. No dizer de Cardoso (1995), o paradigma
cartesiano, ainda presente em muitas das atitudes da humanidade, levou ao
"culto do intelecto e o exílio do coração".
Com o advento da sociedade do
conhecimento, nas últimas décadas do século XX, a exigência da superação da
reprodução para a produção do conhecimento instiga a buscar novas fontes de
investigação, tanto na literatura quanto na rede informatizada. A sociedade do
conhecimento, na "Era das Relações" (Moraes,1997), com a globalização,
passa a exigir conexões, parcerias, trabalho conjunto e inter-relações, no
sentido de ultrapassar a fragmentação e a divisão em todas as áreas do
conhecimento. Nesse processo, a tecnologia precisa tornar-se um instrumento a
serviço do bem-estar da humanidade. Com esse desafio imposto, o importante
papel reservado para a educação tecnológica é o trabalho para a formação da
cidadania, que leve em consideração a oferta de requisitos básicos para viver
numa sociedade em transformação e prepare um cidadão responsável e ético para
enfrentar os novos impactos tecnológicos (Grinspum, 1999).
Nesse contexto de mudança
paradigmática, as universidades, seus gestores e seus professores precisam
refletir sobre as reais necessidades que os alunos irão enfrentar em suas
profissões e em suas vidas. A sociedade do conhecimento vem trazendo novos
enfrentamentos para a população, pois as exigências na formação de cada área
profissional tendem a mudar, e o aluno precisa estar preparado para essas
transformações. Portanto, a formação deve contemplar um espaço aberto para o
diálogo, para a busca incessante do novo, do desejo de pesquisar e tornar-se
autônomo e produtivo.
Nesse movimento de inovação, o
professor, como intelectual transformador (Giroux, 1997), precisa tornar-se um
investigador crítico e reflexivo para ser criativo, articulador e,
principalmente, parceiro de seus alunos no processo de aprendizagem. Nessa nova
visão, o docente precisa mudar o foco do ensinar e passar a preocupar-se com o
aprender e, em especial, o "aprender a aprender", abrindo caminhos
coletivos de busca que subsidiem a produção do conhecimento do seu aluno. Por
sua vez, o aluno precisa ultrapassar o papel passivo de repetidor fiel dos
ensinamentos do professor e tomar-se criativo, crítico, pesquisador e atuante
para produzir conhecimento e transformar a realidade (Behrens, 2000).
O paradigma conservador era
baseado na transmissão do professor, na memorização dos alunos e numa
aprendizagem competitiva e individualista. O grande encontro da era oral,
escrita e digital (Lévy, 1999), na sociedade da informação, enseja uma prática
docente assentada na produção individual e coletiva do conhecimento.
Acredita-se que os processos interativos de comunicação, colaboração e
criatividade são indispensáveis ao novo profissional esperado para atuar nessa
sociedade. Para desenvolver esses processos, há necessidade de oferecer nas
universidades uma prática pedagógica que propicie ações conjuntas e prepare os
alunos para empreender e conquistar essa qualificação a partir da sala de aula.
As universidades e as escolas em
geral, ao optarem por um paradigma inovador, precisam derrubar barreiras que
segregam o espaço e a criatividade do professor e dos alunos, que em geral
ficam restritos à sala de aula, ao quadro de giz e ao livro texto (Behrens,
1996). No universo de informações, os alunos deverão ser iniciados também na
utilização da tecnologia para resolver problemas concretos que ocorrem no
cotidiano de suas vidas. A aprendizagem precisa ser significativa, desafiadora,
problematizadora e instigante, a ponto de mobilizar o aluno e o grupo a buscar
soluções possíveis para serem discutidas e concretizadas à luz de referenciais
teóricos e práticos.
A ação docente inovadora precisa
contemplar a instrumentalização dos diversos recursos disponíveis, em especial
os computadores e a rede de informação. Aos professores e aos alunos cabe
participar de um processo conjunto para aprender de forma criativa, dinâmica,
encorajadora que tenha como essência o diálogo e a descoberta. Com essa nova
visão, cabe aos docentes empreenderem projetos que contemplem uma relação
dialógica, na qual, ao ensinar, aprendem; e os alunos, ao aprender, possam
ensinar (Freire, 1997). Os professores e os alunos passam a ser parceiros
solidários que enfrentam desafios a partir das problematizações reais do mundo
contemporâneo e demandam ações conjuntas que levem à colaboração, à cooperação
e à criatividade, para tornar a aprendizagem colaborativa, crítica e
transformadora.
Existe a proposição de um paradigma
inovador na ciência que venha a atender aos pressupostos exigidos pela
sociedade do conhecimento e que tem sido denominado, por alguns educadores,
como ecológico, holístico ou emergente (Capra, 1996; Moraes, 1997; Santos,
1987). Caracterizar o paradigma emergente não parece tarefa de fácil resposta
neste momento histórico, pois além da multiplicidade de denominações, ele
engloba diferentes aspectos e exige a interconexão de pressupostos de diversas
teorias.
O paradigma emergente busca a
visão de totalidade e o desafio de superação da reprodução para a produção do
conhecimento. Para Capra (1996), o paradigma emergente tem como função
essencial reaproximar as partes na busca de uma visão do todo. A exigência de
tornar o aluno um competente produtor do seu próprio conhecimento implica
valorizar a reflexão, a ação, a curiosidade, o espírito crítico, a incerteza, a
provisoriedade, o questionamento e, para tanto, exige que o professor
reconstrua a prática conservadora que vem desenvolvendo em sala de aula. Os ambientes
educativos devem ter como foco central a autonomia, a criatividade e o espírito
investigativo. Com esse desafio presente, o professor precisa optar por
metodologias que contemplem o paradigma emergente, a partir de
contextualizações que busquem levantar situações-problema, que levem a
produções individuais e coletivas e a discussões críticas e reflexivas, e,
especialmente, que visem à aprendizagem colaborativa.
Para alicerçar uma ação docente
que venha a atender às mudanças paradigmáticas da ciência, há a necessidade de
se constituir uma aliança de abordagens pedagógicas, formando uma verdadeira
teia de referenciais teóricos-práticos Behrens (1999), ao realizar pesquisas
sobre a prática pedagógica dos professores em todos os níveis de ensino, propõe
que para atender ao paradigma emergente se faz necessário construir uma aliança
entre os pressupostos da visão sistêmica, da abordagem progressista e do ensino
com pesquisa. Defende que para o professor oferecer uma ação docente baseada
nessa aliança precisa ampliar também os recursos oferecidos para a aprendizagem
dos alunos, em especial com a instrumentalização da tecnologia inovadora.
Uma prática pedagógica
competente, que acompanhe os desafios da sociedade moderna, exige uma inter-relação
dessas abordagens e o uso da tecnologia inovadora. Servindo como instrumentos,
o computador e a rede de informações aparecem como suportes relevantes na
proposição de uma ação docente inovada. Dentre os recursos que têm auxiliado
processos de contato entre pares, destacam-se: correio eletrônico: ferramenta
de comunicação escrita a distância via rede de computadores; listas de
discussão ou fóruns: formadas por pessoas e grupos que têm como objetivo a
discussão de um determinado assunto; chat: interface gráfica que possibilita
conversa com diversas pessoas ao mesmo tempo; teleconferência: conferências que
envolvem usuários fisicamente distantes, podendo envolver a transmissão e o
recebimento de texto, som e imagem. Acredita-se que esses recursos devem ser
utilizados para subsidiar uma metodologia de ação docente baseada nas
aprendizagens, nas competências e nas habilidades que o professor quer
desenvolver com seus alunos.
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